“Lilo e Stitch” é Woody Allen para crianças.

Sobre esse desenho animado Disney em 10/07/2002

Há pratos novos no menu Disney: os monstros são fofinhos, os contos de fada ficaram na estante e agora os holofotes se dirigem à representação que a criança e a família fazem de si mesmas. Antes, a cultura dedicada à infância era toda voltada ao desafio do “quem me tornarei”, hoje ela se ocupa de “quem sou”. A família também precisa buscar uma representação que leve em conta sua atual imparidade, feita de pais ocupados, separados, de filhos de vários casamentos, de dificuldade com os limites… Os filmes de princesas ou aventuras matavam a família de entrada para que a criança pudesse devanear com seu futuro glorioso. Agora há tarefas antes de chegar lá, o assunto é a própria infância.

Stitch é um “etezinho” indomável, Lilo é uma menina igualmente aprontona. O filme inicia com as duas vidas em paralelo. De um lado, supertecnologia intergaláctica e o pequeno monstro sendo considerado uma abominação num cenário onde todos são de aparência estrambótica. O que ele tem de insuportável? Resultado de uma experiência genética, é uma criatura superdotada, invencível e concebida para destruir, que deve ser eliminada. Do outro uma bucólica ilha do Havaí e uma órfã, esperta, excêntrica e irritadiça, gerando todo tipo de dificuldades para a irmã mais velha, que tenta se ocupar dela. Enfim, mundos diferentes, criaturas iguais, só poderiam terminar se encontrando.

A menina chama o Stitch de “meu bebê” e esse bebê-monstro parece bem familiar. Você nunca teve a impressão de que uma criança pequena tem mais de duas mãos (o Stitch tem quatro) quando resolve pegar objetos delicados? Nunca se desesperou pelo caos na ordem doméstica que crianças brincando fazem? Nunca desejou que seu bebê fosse superdotado e indestrutível? Por isso Stitch é o nosso bebê.

 Toy Story, Monstros S. A., o Shrek (da Dreamworks), e o Stitch estão para o cinema infantil, como Woody Allen  está para o adulto: revelam a capacidade de se divertir com o próprio ridículo, de refletir a partir do desamparo, de ser feios, atrapalhados e inadequados. Disney finalmente incorpora um ganho positivo da cultura individualista, a complexidade do personagem. Os heróis são gente como a gente. A infância também se beneficia desta riqueza. Já admitimos os sofrimentos e dificuldades que fazem parte da infância e da parentalidade, que de paraíso não tem coisa nenhuma. Aliás, há que ser um verdadeiro herói para enfrentar a aventura de crescer.

10/07/02 |
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