Mas que baita segredo!

Reflexão sobre os mecanismos de eficácia da literatura de auto ajuda

Os livros de auto-ajuda andavam muito iguais uns ao outros, fazia tempo que um autor não se destacava entre a tediosa mesmice. Pois bem, a australiana Rhonda Byrne com O Segredo (Ed. Ediouro) conseguiu. Na verdade ela realmente não escreveu um livro, apenas juntou citações de vários colegas em torno de uma idéia. Como esses autores que vendem a chave do sucesso costumam apresentar-se como exemplo, o leitor pode ser levado a crer no valor do segredo que ela tem para revelar. Afinal, o livro e o filme fizeram a autora rica, conhecida no mundo todo, com uma vendagem estrondosa que segue surpreendendo.

O livro se arvora o mérito de trazer uma grande revelação. Ela seria mais ou menos assim: a elite que sempre dominou o mundo, o faz por que detêm um grande segredo, e agora a autora vai contá-lo a nós para que também possamos usufruir dele. Esse segredo seria milenar, teria atravessado gerações e sido usado pelos patriarcas da nossa civilização. Mas o leitor não precisa ficar com inveja dos iniciados, ele agora pode ser seu pelo módico preço de um livro ou DVD. Para os leitores da revista Norte será de graça, vamos revelar sem custos.

A autora promete nos contar o tal segredo através das palavras dos grandes luminares de todos os tempos. Bom, nisso ela nos frustra totalmente, os sábios de ontem e de hoje, conforme os critérios convencionais dos estudiosos e leitores em geral, comparecem apenas marginalmente. O lugar central é ocupado por uma vintena de “pensadores” contemporâneos, entre eles autores de auto-ajuda, palestrantes motivacionais, médicos de práticas alternativas, consultores de Feng Shui e outros cientistas dos poderes mentais.

Pena que a revista não disponha de fundo musical, assim, sem uma preparação, o que vou lhes revelar pode parecer de pouca relevância. Mas vamos lá: a grande lei que perpassa o universo é a lei da atração, que agiria tenhamos ou não consciência de sua influência. Nas palavras da autora: … tudo que entra em sua vida é você quem atrai por meio de imagens que mantém em sua mente. Você atrai para si o que estiver passando em sua mente… ou seja, controle sua mente e controlarás o mundo. Veja só, o mundo é bem mais simples do que pensávamos!

Vamos detalhar para o leitor incrédulo: os pensamentos que se passam em sua mente atraem exatamente aquilo que estás pensando. Como psicólogo sinto a falta de uma distinção mais clara entre pensamento, desejo, sensações, lembranças, idéias vagas, emoções, insights, mas pelo que entendi deve-se colocar tudo no mesmo saco. Então, seja o que for que seu cérebro estiver maquinando, é isso mesmo que ele vai atrair. Caso consigas pensar em coisas boas, em riquezas especialmente (no livro é o que é mais lembrado) elas chegarão até você. Assim, sem fazer mais nada. Bom, a contrapartida você já deve ter imaginado. Se ficar com pensamentos obscuros, idéias confusas, e for condescendente com a tristeza, você atrairá ainda mais energia negativa (seja lá o que isso for). Logo, todo cuidado com seus pensamentos é pouco.

Moral da história: pense positivo, não deixe lugar para dúvidas (a autora é muito clara a respeito da natureza perniciosa de duvidar) e conquistarás o que quiseres. Você deve estar achando que estou reduzindo as coisas para depreciar a autora, que não pode ser somente isso, mas infelizmente é. Esse é o grande segredo dos poderosos e famosos de todos os tempos, eles pensam positivamente, não deixam coisas ruins penetrar em sua cabeça, portanto sempre mandaram no mundo e são donos das maiores riquezas. Quem diria, a gente sempre pensou que fosse pelo esforço, pela coragem, pelo talento, pelas oportunidades materiais herdadas e ferreamente defendidas, mas não é nada disso, o que eles têm e sempre tiveram é pensamento positivo.

O que não cessa de nos surpreender nesses fenômenos de venda de autores de auto-ajuda não são, por certo, as melhores ou piores intenções dos autores, afinal eles vivem disso. Realmente extraordinário é o número de pessoas que ainda anseia por milagres. Esse livro é uma espécie de fé leiga. Lembram do velho rezar e acreditar piamente? Não difere muito, apenas não há Deus, e sim um conceito vago de “Universo” que faz eco aos pensamentos/preces dos crédulos. Mas como é que isso pega afinal? Como é que um sistema tão primário de explicação do mundo encontra tantos adeptos?

O fenômeno da auto-ajuda é muito vasto, difícil de ser explicado apenas por uma hipótese psicológica, mas ela certamente pode nos ajudar numa vertente. É bom lembrar que o pensamento racional é uma conquista árdua, todos nós já fomos crianças e já pensamos magicamente. Piaget nos ensinou que partimos dum pensamento mágico, onipotente e animista, onde os limites entre o eu e o outro, entre dentro e fora de nós mesmos são pouco estabelecidos, para somente depois atingir um pensamento lógico, racional, que nos propicia a capacidade de abstração. Mas sempre há restos, há reminiscências não somente de fatos, mas de modos de funcionamento psíquico. O pensamento mágico não é eliminado, ele fica em modo de espera, paralelo ao sistema novo. Ou então fica numa reserva especial, administrando nossas pequenas superstições ou nossas grandes crenças em potências superiores. Por isso, escorregar para uma crença anterior é sempre uma possibilidade ao nosso dispor.

Um dia todos acreditamos no Papai Noel, na Fada dos Dentes, no Coelhinho da Páscoa. Não sei por vocês, mas para mim foi um tempo mais feliz, além disso eu costumava ter um Anjo da Guarda ao meu dispor. Não foi fácil abrir mão de tudo isso por uma concepção mais aguda, mais áspera e dolorosa do mundo. Crescer é enfrentar o desencanto. Esse paralelo do Segredo, das crenças mágicas do pensamento positivo, com o pensamento infantil pode parecer grosseiro, mas é bem isso, é difícil abrir mão da idéia de que alguém vai magicamente atender nossos desejos, nos proteger, aliviar a solidão desse mundo gelado.

Eu estava em Buenos Aires mês de julho quando a nossa seleção B derrotou a seleção A da Argentina. Os argentinos estavam divididos em dois tipos: os pessimistas, que achavam que ganhavam do Brasil, e os otimistas que acreditavam numa ampla goleada. Demais resultados não eram cogitados. A seleção deles era boa, havia ganhado todas as partidas, e estava confiante da vitória. Já os Brasileiros vinham tropeçando nos adversários e não acreditavam muito na vitória. Goleamos! Como isso foi possível? Com tanta confiança e tanto poder mental concentrado na vitória versus uma desconfiança crítica, como foi possível o Brasil ganhar! Pois é caros leitores, parece que o mundo tem muitos mais segredos do que imaginamos.

Revista Norte número 1
01/11/07 |
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Um Comentário
  1. NECESSITAMOS CRER SEMPRE. A hipótese mais correta desde que mundo é mundo é a crença seja ela qual for, sempre precisaremos crer, pois crer nada mais é do que se ter certeza de que algo será realizado, o melhor ainda quando colocamos em DEUS a nossa inteira confiança. Deus tambem ao inicio creu e as coisas todas aconteceram.CREIA, PENSE E REALIZE, não vacilar na fé é o maior segredo.Abraços a todos.

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