A casa das pessoas estranhas

Sobre uma exposição de artes plásticas no Hospital Psiquiátrico São Pedro

A  Bienal, nas performances realizadas nas antigas dependências do Hospital Psiquiátrico São Pedro, levou muita gente a um lugar que preferimos desconhecer. A ocupação daqueles  prédios centenários pela intervenção artística foi uma boa idéia mas  nos deixou da loucura a pior imagem. As performances sentiram-se convocadas a dialogar com os fantasmas que passeiam nas dependências do velho prédio, porém estes eram os dos pacientes cronificados pela reclusão, não necessariamente dos loucos. 

Esta iniciativa sintoniza com o movimento de fim dos manicômios em curso, trabalha-se em mais uma derrubada de muros, edificados por séculos de preconceito e medo, que isolaram aqueles que expõe seu sofrimento daqueles que gostam de se saber normais. A reforma psiquiátrica trabalhou pra levar os pacientes para fora dos muros, a Bienal fez a proeza de levar a população para dentro deles. Boa sacada. As performances que retratavam as contorções dos antigos moradores do prédio mostram uma visão da loucura que fez o alívio dos visitantes. Puderam se divertir sem medo de ser como aquela gente, com isto perdeu-se um pouco do efeito de colocar todos dentro do hospício. Nossos artistas, com raras exceções, lançaram mão do clichê mais batido do que seria a loucura, traduzindo-a em movimentos caricaturais. Isto nos revela a distância que ainda estamos todos de compreendê-la, quanto mais representá-la. Saí de lá com a impressão que loucos são os outros, que ela é só desatino e bizarrice, mas a loucura tem tantas mais máscaras e está bem mais próxima do que pensamos.

 Na revolução de costumes que este movimento de  reforma psiquiátrica traz, a derrubada de barreiras físicas de convivência é um bom começo. Porém devemos insistir, continuar batendo, batendo até que fure nossa eterna incapacidade de suportar a diferença.

Na porta de entrada, ainda está uma velha placa onde se lê: “Prohibida a entrada de pessoas estranhas…” Irônico, afinal, é para lá que iam as pessoas estranhas, e seria bom que lá dentro pudéssemos lembrar que de louco todo mundo tem um pouco.

16/11/03 |
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