A praga do casamento indissolúvel

Sobre a condenação do divórcio pelo Vaticano

Fique claro que não advogo em defesa pessoal, pois excentricamente mantenho-me casada com o mesmo marido. Mesmo assim fiquei pasma com a declaração do Vaticano, visando orientar os fiéis (sic), de que o segundo casamento é uma praga.

Tempos atrás presenciei a seguinte cena: numa apresentação escolar infantil cada aluno elaborou uma breve autobiografia. Tudo corria soporiferamente até que a platéia de pais foi despertada às gargalhadas. Um dos pequenos achou relevante comentar uma particularidade inusitada da sua vida: seus pais não eram separados. A risada foi causada pela inversão da lógica corrente, a exceção tornou-se regra. Portanto, se uma praga se define por ser algo que se espalha rápida e fortemente, as separações caberiam nessa classificação. Mas uma praga não é apenas uma invasão ostensiva, é algo prejudicial, insidioso.

Já eu diria que casamentos ruins é que são uma praga que está sendo debelada. Se a condenação a viver relações litigiosas, depressivas e pouco construtivas de forma vitalícia for o antídoto contra esse suposto mal epidêmico, eu passo. Freqüentemente a duração de um casamento implica em manter relações nas quais as pessoas se desvalorizam, impedem um ao outro de crescer, discutem ou se agridem incessantemente, gritam, calam, se boicotam, se destroem e até precisam anestesiar-se com álcool, remédios ou drogas para conviver. Muitas vezes não se trata de equívocos de escolha, os consortes até que combinavam, a vida é que os foi tornando incompatíveis. Casamentos e amores são escolhas que fazemos atendendo a determinações inconscientes e desejos que pouco compreendemos. Muitas vezes isso ocorre de forma interessante, ele é algo próximo do jeito que esperamos que seja e nos coloca na posição que nos convém. Por outras vezes esse pacto amoroso não flui, é motivo constante de litígio e incômodo para ambas partes.

Não estou absolutamente defendendo que fiquemos trocando de amores como de roupa, perseguindo a inatingível quimera da paixão adolescente. Apenas acredito que podemos ter mais de uma chance de fazer escolhas e não são poucas as vezes que assistimos, na vida de pessoas próximas, a belos encontros onde, longe de ser uma praga, os novos casamentos são uma redenção.

Evidentemente que separações são dolorosas, que a vida das famílias fica mais complicada, numa difícil logística de guarda, divisão de responsabilidades, convívio com novos parceiros dos pais, andanças de filhos entre as casas dos pais. Não precisamos dourar a pílula. Vale lembrar que uma separação é trabalhosa e não é sem conseqüências para a vida de todos os envolvidos. Por outro lado, também é doloroso para os filhos crescer entre duas criaturas cujo relacionamento as deixa deprimidas ou destrutivas, sem a certeza de que seus pais tiveram a coragem de romper com isso e buscar algo melhor. Longe de encarnar a destruição do amor, os divórcios fazem com que seja ele, e não a convenção social, a base do casamento.

dianacorso@portoweb.com.br

21/03/07 |
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