Ao pé da letra
O esquartejamento, como manifestação da loucura derivada do amor.
Elize Matsunaga descobriu que seu marido a estava traindo. O casal passou pelos desentendimentos usuais de um fim de relação, brigas, ódios, vontade de destruir aquele que ousou deixar de amar. Mas ela radicalizou: matou Marcos, esquartejou seu corpo, espalhando seus pedaços por vários lugares. Uma monstruosidade. Como é possível tanta frieza? De onde ela tirou forças para despedaçar um homem, como pôde fazer algo tão isento de humanidade?
Não me cabe diagnosticar a assassina confessa desta história, mas posso afirmar que a loucura, quando irrompe, ofuscando todas as razões que restam a alguém, dota sua vítima de força e determinação incontroláveis. O que não torna crimes cometidos nesse estado de espírito defensáveis ou justificáveis. Nas pessoas ditas normais, o surgimento dessa força sobre-humana ocorre em situações limite, urgentes, como guerras, violência urbana, doenças. Quando necessário, descobrimos a coragem, a energia e a iniciativa que desconhecíamos ter.
Uma pessoa abandonada, substituída no coração daquele que ama, pode sentir-se desmanchar. O amor não é apenas um momento de prazer, cumplicidade ou companhia, também é dele que provém a identidade. Declaramos nosso “estado civil”, ou seja, existe alguém que atesta publicamente nos amar e viver conosco. Depois de um rompimento, aquele que deixou de ser amado se desconhece, sente-se nada, um dejeto. Pensa que nunca mais será escolhido, aos seus olhos seus atrativos desaparecem. Todo mundo já passou por isso alguma vez. Situação difícil, costuma deixar um legado de lágrimas, lamúria, depressão. Ou pior.
Estamos acostumados a ver homens enlouquecerem por ciúmes ou desesperados mediante separações que não aceitam. Não é incomum que assassinem suas ex-parceiras, quando não chacinam os frutos daquela relação. Os filhos lembram a maldita mulher que os abandonou, devem também desaparecer. Talvez seja pelo costume, de uma sociedade machista onde a honra do homem tinha legitimidade jurídica para ser lavada, que não nos horrorize tanto. A masculinidade sempre foi mais ativa, às mulheres feridas de amor cabe definhar.
Elize reagiu como uma vingadora. Louca, como ficam esses homens que matam a família inteira, tirou forças dessa situação limite que nos transforma em heróis ou monstros. Seu mundo se desfez, passou, provavelmente, a funcionar com uma lógica delirante. Tomou a desgraça ao pé da letra, se era para dividir seu homem, repartiu-o por São Paulo. Neste caso, aparentemente o resultado foi um surto. Marcos Matsunaga tornou-se de todos e de ninguém. Assim, literalmente.