Apocalipse Now
Sobre a fantasia de fim de mundo
Um final pode ser feliz. Formaturas e festas de Ano Novo, por exemplo, são finais celebrados. Mas nem só de pequenos finais vive o homem, os grandes também têm seus encantos. A idéia de que o fim do mundo é eminente parece tender a desencadear um imenso carnaval orgiástico, ao estilo catástrofe festiva do declínio do Império Romano.
São mitos históricos, mas arrisco dizer que estamos nesse clima. E por falar em clima é dele que se trata: não faltaram tragédias neste ano que se encerra (sem glória) para nos deixar preocupados sobre o quanto estamos destruindo a nossa casa planetária de forma irreversível e persistente. Cresci num tempo em que vivíamos pendentes duma hecatombe nuclear. Sabia, desde criança, que em vários lugares do mundo havia bombas prontas para acabar com tudo, bastando uma trapalhada diplomática. Era o fim do mundo à moda Dr. Estrangelove. Nosso futuro dependia de um botão que estava ao alcance da mão de gente pouco confiável. Agora qualquer criancinha sabe que estamos estragando o planeta, elas crescem familiarizadas com expressões como: aquecimento global, extinção de espécies, catástrofes ecológicas, desequilíbrio ambiental, buraco na camada de ozônio, novas cepas de vírus letais. São outras bombas, mas ainda estão presentes.
Mas de que diabos nos serve protagonizar persistentemente essa tarefa de destruir o planeta? Quando assistimos desenhos animados infantis achamos graça de que eles estão sempre tentando salvar o mundo, parecendo que isso é coisa de criança. Porém, os adultos estão mesmo destruindo o mundo e não estão brincando. Por isso não surpreende que as crianças pensem em salvá-lo, nem que seja para o uso de sua geração!
Talvez aí esteja a chave, na possibilidade de pensar que somos os últimos habitantes da terra. Afinal, não é nada fácil pensar que somos um minúsculo elo na longa e complexa corrente da história. Frente à história sentimo-nos um grão de areia na praia. E, infelizmente, só temos uma vida curta para viver.
Pelo menos, se imaginariamente estivermos lá quando forem apertados os botões nucleares, quando forem boicotados os tratados de redução da poluição, se na prática emporcalharmos diariamente nosso ambiente, estaremos contribuindo para o gran finale! E não será preciso suportar, como hoje, que bastam duas gerações mais e nem nossos descendentes lembrarão que um dia existimos. Em suma, viver a vida como se fosse a última sobre a terra é um ato de prestigiar nossa geração com o luxo de ser decisiva, nem que seja para estragar tudo. De certa forma, identificamo-nos com os poderosos que podiam apertar o botão nuclear e com os carnavalescos do bloco do apocalipse. Ecologicamente vivemos um clima de orgia onipotente.
Ainda bem que existem crianças querendo salvar o mundo, espero que quando adultas não mudem de idéia…