As mães dos meninos do tráfico

Sobre o documentário de MV Bill

Dia das mães é meloso, retratos de mulheres felizes, mas não é assim para todas. Onde a “a bala come e a lei é do cão”, não há muito a comemorar. Recentemente, assistimos no documentário de MV Bill veiculado pelo Fantástico, à dura realidade de crianças e adolescentes que encontraram no tráfico o segmento social que os acolheu. Se é que algum dia tiveram uma figura paterna, dela já são órfãos. Esses meninos têm como seu “só a minha mãe, e esse come-chumbo aqui na minha mão”.

No morro, na favela, nos lugares onde as cidades jogam seu lado negro para baixo do tapete, de certa forma, todo dia é dia das mães. Dia de mãe sepultar seu marido jovem, com um bebê no colo; dia de mãe enterrar filho adolescente ou ainda criança. Elas avisam, tentam, com uma voz de pouca autoridade, prevenir contra o envolvimento do filho com o tráfico, evitar o final trágico. A maternidade nessa sociedade em pé de guerra é a da impotência: dê ao mundo seu bebê e receba de volta um cadáver.

Os homens dessas famílias matriarcais ou bem já desapareceram ou em breve o farão. Em casa, só restam as mulheres sustentando seus filhos, os quais bem cedo compartilham com elas parte de seus ganhos. Os filhos jovens fazem e acontecem, andam com armas, têm chance com as moças bonitas, mas são as mães que sobrevivem e insistem em pôr mais deles no mundo. O estado só aparece para trocar tiros ou buscar a propina, e só cuida dessas mulheres, quando muito, se estão grávidas ou puérperas. Com seus filhos, apenas eles crescem um pouco, já ninguém quer assunto. Elas geram bucha de canhão…

Para os personagens do tráfico, de fora da favela só vêm droga e tiros, duas formas da morte. Dentro, o traficante cuida do menino pelo tempo em que este lhe for útil, lhe garante algum status, mas nada tem de pai. Pai perdoa, não usa, não sacrifica, ele dá instrumentos para identificar-se, crescer e partir. Já basta dessa fantasia corrente de que os traficantes funcionam como os pais e o governo dos núcleos sociais abandonados, eles não passam de urubus, que se alimentam dos despojos do abandono.

Como se vê, mãe é muito, mas não basta. Para os meninos do tráfico, trata-se de uma relação terminal da dupla mãe-filho. Essas mulheres são capazes de gerar a vida, mas incapazes de mantê-la. Do lado de fora do corpo materno, para esses meninos não há um pai nem um futuro esperando, há a morte.

O futuro não se garante nem só com mães leoas solitárias tentando defender suas crias, nem só com machos valentes que vivem em guerra. Uma criança é a melhor tradução do funcionamento de uma sociedade, seu crescimento é fruto de um trabalho de equipe, onde entram a família, o estado e a cultura em que vive. Se ela for socialmente banida, dá nisso que foi ao ar graças ao trabalho de MV Bill. Repito: mãe é muito, mas não é tudo…

dianacorso@portoweb.com.br

17/05/06 |
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