Basta um dia de fúria…

Pró desarmamento

Tenho tão parca confiança em convencer algum leitor com minha opinião pró-desarmamento, quanto tenho de que ele signifique a solução para o problema da violência. Discussões são necessárias e bem vindas, mas o homo sapiens sempre se acha mais sapiens do que é, portanto pouco teria a aprender com o argumento alheio, estamos mais para “homo teimosos”. Para findar com a guerra civil entre castas econômicas em que estamos submersos é preciso muito mais do que a retirada das armas daqueles dispostos a obedecer à lei. É urgente providenciar educação e inclusão social em altíssimas doses. De qualquer forma, acredito que há muito a ganhar desarmando nossa vida privada.

Ser teimoso significa compreender as coisas apenas desde nosso próprio ponto de vista. Isso vale também para nossas verdades interiores, já que, quanto à nossa índole e vontades, acreditamos estar sempre no controle da situação. O problema é que vivemos à mercê de desejos, impulsos e repressões que em geral desconhecemos, não compreendemos, e muito menos governamos. Para nossa sorte, essas forças que se ocultam da nossa consciência geralmente contentam-se em aparecer em sonhos, fantasias, sintomas neuróticos ou em estados de ânimo.

Porém, ninguém está livre de um dia de fúria. A ira pode voltar-se contra nós mesmos, contra alguém que não nos amou como esperávamos, contra quem traiu nossa confiança. Não faltam situações dramáticas na vida de todos: traições, abandonos, perdas, fracassos. Na maior parte dos casos, para esses momentos de sofrimento existe alguma cicatrização possível, com mais ou menos seqüelas. Mas a morte, quer seja sob a forma do suicídio, ou do assassinato é um ato sem reparação possível.

A defesa do direito à posse de armas supõe que gente de bem só usaria a violência para se defender dos maus. Discordo. Os psicanalistas são chatos por que não deixam ninguém esquecer o quanto somos frágeis. Fingimos, para nós mesmos, para as crianças e para os ingênuos, que somos senhores da situação, que “tá tudo dominado”, mas qualquer um de nós, por mais controlado que seja, tem seus dias mais duros, nos quais as certezas se esfumaçam e a esperança nos abandona. Quando estamos assim, um tropeço qualquer, uma discussão de trânsito, pode virar o fio de uma personalidade costumeiramente equilibrada. É nesses momentos de loucura que o nosso protesto contra o mundo pode advir em atos capazes estragar a nossa vida e a dos outros. Vejo o desarmamento como uma política de redução de danos: não resolve o problema, mas minimiza as possibilidades da violência e do descontrole em que já vivemos.

É preciso proteger o “homo teimosos” que pensa que essas coisas só acontecem com os outros. Por isso, talvez nenhum de nós deveria passar num teste psicológico para porte de armas na vida privada. Nem os soldados e policiais, treinados para isso, devem armar sua vida pessoal, lá eles também são frágeis e capazes de produzir tragédias. De perto, ninguém é normal o suficiente para andar armado.

19/10/05 |
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