Benjamin Button
Sobre as fases da vida
As fases da vida podem ser vistas como um círculo: no princípio, o desafio passa por aprender a não urinar e defecar nas calças; a missão seguinte, quando já se é um pouco maior, seria conseguir amigos; passada essa fase, o maior objetivo passa a ser fazer sexo; resolvido isso, a tarefa seguinte é conseguir dinheiro. Já na meia idade, a conquista, novamente, é fazer sexo; depois vem a fase de fazer amigos e o derradeiro desafio da vida de um homem consistiria em não fazer as necessidades nas calças.
Como se vê, as duas pontas da vida são iguais. Nascemos fracos e despreparados, e na melhor sorte, morremos frágeis e desamparados. Por isso tentamos ao máximo aproveitar e prolongar o meio, os anos de juventude, nos quais o corpo não é nosso maior inimigo e a morte paira a uma distância suportável.
O filme O curioso caso de Benjamin Button, baseado num conto de Scott Fitzgerald, brinca com isso. O protagonista vive ao avesso, nasce velho e morre bebê. Sua vida ocorre na ordem inversa, mas é só para ressaltar que o período idílico é apenas uma parte da história, linda e passageira. O caso de Button é uma tocante história de amor, mas seu grande tema é a velhice. A infância também é uma experiência de amor entre pais e filhos e, principalmente, de muita esperança. Porém, no caso de Benjamin, foi velho nas duas pontas.
O recurso fantástico da vida inversa dessa narrativa poderia deixar em nós a idéia de que só o miolo valeria a pena. Cabelos brancos incomodam, mas idéias amadurecidas ajudam, não é à toa que se diz que gostaríamos de viver com o corpinho dos vinte e a sabedoria dos quarenta.
A infância é um presente impregnado de futuro, enquanto na velhice somos encharcados de passado. O acúmulo de experiências, o cheiro ranço das memórias que torna os idosos ao mesmo tempo interessantes e difíceis de suportar, está ausente em Button: quando nasce como um bebê enrugado e encarquilhado assemelha-se a um inválido e a infância que lhe chega posteriormente traz junto uma demência senil. Do filme pode restar a dura conclusão de que a velhice é simplesmente a falência do corpo. É isso, mas muito mais, é o processo de balanço de uma vida e a existência entre nós daqueles que têm a inevitável consciência da morte. O convívio com os velhos torna os jovens menos onipotentes. Benjamin Button tinha como lar um asilo, nessa casa aprendeu que os laços afetivos são a grande herança, eis algo que os idosos têm para ensinar.