Bisavó precoce
sobre assumir os cabelos grisalhos
De olho no retrovisor, o motorista de táxi observou: a senhora tem netos, né? Eu ainda nem tinha os complicados 50 que recém me atingiram, mas fiquei mordida igual: – bisnetos, respondi. Ao longo da última década, desde que deixei de ocultar os cabelos brancos, tenho enfrentado vários desses episódios, até mesmo oferta de senha especial no banco. Não é fácil, mesmo que ache que não pareço uma idosa, não há argumento que torne leve o inevitável resultado do rápido duelo de olhares: nele o outro sempre associa o cabelo grisalho à velhice.
Tive duas avós, uma ficou totalmente branca aos quarenta e outra morreu aos oitenta com uma natural cabeleira castanha, adivinhe qual herança me tocou? Meus cabelos desistiram da sua natural cor de rato aos trinta. Exausta da luta, depois de ter passado por toda a gama de ofertas dos institutos de beleza e das farmácias, descobri que as mechas grisalhas misturadas ao cabelo marrom restante eram o tom mais bonito que eu já tivera na vida. Naquela época, encontrar um cabeleireiro que topasse a parada era quase impossível, mas adoro ser contra a corrente e o desafio me instigava. Não se engane: o cabelo grisalho não libera a visita rotineira ao salão, mesmo porque ele é rebelde, está sempre arrepiado e carece de atenção para parecer sedoso. Parei foi de fingir. Sei que é bobagem, mas tenho certa dificuldade com próteses, máscaras, lembro que até as ombreiras quando estavam na moda me constrangiam, parece roubar no jogo, doping. A maquiagem não me envergonha, pois ela é explícita, não esconde sua presença.
Não é preciso alongar-se muito sobre o que estamos cansados de saber: a velhice é um espantalho contemporâneo e ninguém quer enxergar tais traços em si mesmo. Mais do que uma questão de estética, é do pânico da finitude que se trata. Um idoso é alguém que tem mais vida para trás do que pela frente, mas somos gulosos, da nossa existência queremos um crédito infinito, o consolo de que se pode recomeçar a cada instante, que nada acabe. Ignoramos que a trajetória de uma vida se faz de sucessivas mortes do que já fomos. Mesmo a velhice obriga à constante reinvenção, pois as inevitáveis limitações precisam ser contornadas com a descoberta de novos prazeres, o da tranqüilidade, por exemplo.
Confundimos potencial com potência, ter muita vida pela frente significa mais tempo para tornar-nos mais próximos da perfeição. Mas jamais voltaria, pois amadurecer dá muito trabalho e nem pensar em reencontrar com todas as incertezas e os medos do passado. Cada fio grisalho que nasce é troféu de uma batalha vencida e há uma humildade que só o tempo ensina, na marra. Por isso, senhor taxista, ainda não tenho bisnetos, mas nem por isso devo mascarar o quanto já vivi. Já foi difícil chegar até aqui e não vou recuar.
Diana, lembro das reuniões do CAEP na salinha contígua ao bar do Antonio no campus central da UFRGS. Das bolsas de couro atravessadas no ombro e das idéias libertárias em nossas cabeleiras, mesmo que a década fosse a dos 80, distante doze anos do maio que nos inspirava. A ditadura ainda costurava as amarras nos currículos e pessoas, mas éramos resistentes a isso à nossa maneira. Trinta anos passados, também acho complicado pintar meu cabelo, não seria mais eu, apagaria minha história conquistada dia-a-dia. E assim convivo com os olhares de esgueira lançados aos meus vários fios platinados. A cada insinuação, ganho a certeza de que meu sonho dourado é bem simples, nada de tingimentos, nada de cores artificiadas envolvendo-me a cabeça. Quero-a branca, com ou sem netos. Até porque ainda é cedo, meu filho tem 12 anos. Abraço
Helena! Seguimos a parceria! Orgulhosamente ímpares, provavelmente respaldadas pela coragem de já ter sido isso antes!
Abraços
Diana