Bloom X Rowling
Sobre as críticas de H Bloom à literatura infantil contemporânea
O crítico americano Harold Bloom desejou partilhar o seu acervo pessoal e abriu o seu baú de histórias e poesias. O resultado é a seleção de textos intitulada Contos e Poemas para Crianças Extremamente Inteligentes de Todas as Idades (Ed. Objetiva). Nele encontramos alguns graciosos textos de Chesterton, Kipling e Zola, assim como uma série de poesias cuja tradução duvidosa nos leva crer que devem soar muito bem em inglês.
No Brasil temos a já antiga experiência da coleção da Ed. Ática intitulada Para Gostar de Ler, a qual talvez produza melhores efeitos nos jovens leitores, pela mestria no uso da nossa língua. O lançamento do livro de Bloom é acompanhado de uma série de entrevistas, onde o autor critica não só ao fenômeno Harry Potter, como também a toda a literatura infantil contemporânea, que seria “um cardápio inadequado para qualquer leitor, de qualquer idade, em qualquer época”. Sempre houve e sempre haverá literatura barata, mas também sempre houve e haverá intelectuais apocalípticos dizendo que tudo de bom já foi feito e que a poesia não sobreviveu à guerra. Rowling, a autora de Potter, bebeu na fonte dos mitos e lendas da tradição ocidental e com eles organizou suas aventuras infanto-juvenis. Talvez seus livros não ultrapassem esta geração por serem “mal escritos”, como preconiza Bloom, porém, os seres mágicos que ali reencontraram seu público seguirão buscando formas de existir. São eternos sobreviventes, justamente por que há crianças de todas as idades.
Mas há uma questão relativa ao título deste livro – Crianças Extremamente Inteligentes – que traduz uma tendência de nosso tempo mais perigosa do que a literatura barata: a transformação da inteligência numa meta de consumo. Não há família que não confunda a instrução de seu filho com um degrau para o almejado sucesso, sendo assim, um livro com semelhante título torna-se um verdadeiro caça-níquel, pois todos querem que sua criança seja “extremamente inteligente”. Daí para colocar no mesmo saco inteligência, informação e cultura é só um passo. A cultura provém da passagem da tradição oral de histórias de uma família, dos autores recomendados por um mestre ou um amigo, e é feita de vínculos, onde pouco importa o que cai no vestibular. A cultura que se possui é formada a partir de experiências feitas e sofridas, leituras sentidas, conversas significativas, ela nada tem a ver com quantidade de informação, seja de palavras ou dados. A inteligência não serve como indicador de sucesso, ela é fruto de solidão, fracassos, medos e introspecção. Do mesmo material que se fabrica a boa literatura.