Bruxas
Sobre um crime feminino insuportável
Numa mesma penitenciária, Anna Carolina Jatobá, Suzane Richthofen e Valdecina Alves de Almeida pagam seus pecados. Todas são responsáveis por crimes que impactaram a opinião pública: o assassinato de uma enteada, dos pais e o selvagem espancamento de um bebê, respectivamente.
Antes de chegar à penitenciária de Tremembé, Valdecina foi corrida de dois outros presídios femininos. As detentas de Itupeva fizeram um motim, queimaram colchões e estavam decididas a linchar a torturadora de crianças. Em Campinas, a mesma situação começou a se armar.
A Loira, como era chamada em Jundiaí, mantinha uma conterrânea baiana trabalhando em sua casa como babá de sua filha. Essa jovem era mãe de Riquelme, um bebê chorão. Valdecina, uma prostituta de 33 anos, não conseguia suportar o barulho da criança e diz que deu nela: “um negócio ruim, eu comecei a bater, bater, bater, eu queria matar, queria devorar, quando eu parei pra pensar já tinha feito a merda”. É um acesso de loucura onde ela ficou identificada com o desamparo do bebê inconsolável, a ponto de querer eliminá-lo pra calá-lo. Isso é insuportável mesmo para mulheres criminosas, que não queriam ver seus delitos misturados com o dela. Mas o que é tão insuportável até para essas mulheres?
A vontade de devorar uma criança é brincadeira afetiva com os bebês: – vou comer esse pezinho, vou morder essa barriguinha! Não temos vergonha de dizer a um bebê fofo. São versões lúdicas da relação mãe-bebê, nas quais se relembra que ambos já fizeram parte do mesmo corpo. Nascemos tão pequenos e insignificantes que no princípio continuamos contidos numa personagem materna, dependemos de seus peitos, de seu olhar, de sua voz para ir nascendo a cada dia.
O parto subjetivo acontece ao longo de muito tempo, no qual vamos aprendendo a ver com nossos olhos, a falar em vez escutar e chorar. Muito do que somos devemos à mãe, por isso a maternidade é uma entidade sagrada até na cadeia. Se não há como ignorar que o mundo é perigoso, podemos ser mortos, roubados, enganados, nada é mais assustador do que ver alguém corromper esse vínculo, usar seu poder supremo às avessas. Mãe é pra criar, não para matar, mãe é para parir, não para devorar. O trio calafrio de Tremembé representa a face negra da maternidade e da filiação, a mãe-bruxa-primordial. O conto de João e Maria é a mais conhecida metáfora desses perigos, nele aprendemos desde pequeninos que mães e filhos podem se destruir em vez de se construir. Como se vê, há pecados que não encontram guarida nem no inferno.