Cadê meu trono?
o que temos por dentro que nos torna tão suscetíveis à cobiça por privilégios?
Yanis Varoufakis, Ministro das Finanças da Grécia, é um cara charmoso e irreverente, usa jaquetas e camisas esportivas – sempre sem gravata – em todo tipo de evento oficial e se desloca em sua moto. Ele contou um episódio embaraçoso (mencionado na revista Piauí 102) que ilustra a tentação dos privilégios.
Anos atrás, ao viajar para dar uma palestra, usava a passagem de primeira classe fornecida pelos organizadores do evento e percebeu-se olhando para a turma da classe econômica com um sentimento de superioridade. A revista menciona que ele teria se horrorizado ao viver na própria carne o quanto era fácil ser cooptado pelo prazer de estar acima da plebe.
O que temos por dentro que é tão facilmente despertado assim que nos oferecem um assento bacana, como notou Varoufakis? Rapidamente, a poltrona de primeira classe se transforma em trono, como se finalmente tivessem reconhecido nosso direito de nascença a ocupá-lo. Se examinarmos o conteúdo das fantasias mais banais, essas que nos pegam quando estamos distraídos ou adormecendo, veremos que nelas somos sempre reconhecidos por merecida grandeza, a qual nunca julgamos nunca ter sido suficientemente celebrada. Detalhe: a comparação é fundamental, pois é preciso que haja aqueles que consideramos pobres, medíocres ou feios, para que o brilho da conquista seja ressaltado.
Não há quem seja imune a algum tipo de ressentimento, o reconhecimento recebido é sempre menor do que a expectativa. O tráfico de privilégios tem vilipendiado todo tipo de boas intenções políticas, parecemos marcados por essa sede de modo incurável. Talvez seja uma memória infantil do lugar especial que só usufruímos quando muito pequenos, no papel de coisa fofinha da casa. Logo criamos chulé e ninguém mais quer beijar nosso pé gordinho. Pelo jeito, a experiência deixa alguma nostalgia, omitindo o fato de que o preço pago pelo lugar especial costuma ser o papel de objeto, no qual tornamo-nos espelho do desejo dos outros. Muitas celebridades morrem tentando anestesiar-se dessa cilada que é a captura no imaginário alheio. Nosso sentimento de ter vida própria, portanto, se beneficia de uma certa frustração. Apesar disso, nos queixamos de falta de atenção, pois consideramos sempre injusta a distribuição do prestígio.
Vimos o presidente uruguaio Mujica sair do seu mandato no mesmo fusca velho em que entrou, assim como o então governador Olívio Dutra nunca deixou de ir de ônibus ao trabalho. Golpe publicitário desses senhores? Creio que não. Eles se mantiveram a salvo do delírio de grandeza que nos acomete assim que ganhamos um assento de primeira. Talvez soubessem que ficamos reféns daqueles que nos oferecem um lugar de exceção. Uma lição a seguir nestes tempos de debates éticos.
Parabéns! Excelente texto! Cai como uma luva para os dias atuais…