Calçadas da infâmia

Sobre o trabalho artístico Stolpersteine em homenagem às vítimas do holocausto

A instalação artística de Gunter Demnig começou a se espalhar pelas ruas alemãs há quase uma década. O nome deste trabalho é Stolpersteine, traduzível por “pedras nas quais se tropeça”. Em frente a casas comuns, em ruas normais, os pedestres caminham sobre pedras cobertas com placas metálicas onde estão escritos os nomes de antigos moradores daquelas residências. Os dizeres são simples, por exemplo: “aqui vivia Olga Wolf, nasc. 1910, deportada em 1941, Riga, assassinada”, “aqui vivia Dan Wolf, nasc. 1939, deportado em 1941, Riga, assassinado”.

Campeões

Não são túmulos, nada de “aqui jaz”, são registros do lugar de onde moravam as vítimas do extermínio nazista na véspera da deportação. Já foram instaladas 3,3 mil placas (quadradas de 10cm X 10cm) em 30 cidades e o projeto segue em expansão (as fotos desta obra podem ser vistas na edição de junho da revista National Geographic ou www.stolpersteine.com).

Não faltam monumentos em homenagem às vítimas do holocausto, em muitos deles encontramos informações similares às destas placas. O problema é que os monumentos são história congelada, distante de nós e a bem da verdade isto nos alivia. As dificuldades que temos de sentir empatia com um acontecimento histórico, por mais tocante que seja, são da mesma ordem daquelas que impediram milhares de judeus de avaliar o risco que a escalada do terror nazista representava. Boa parte dos judeus europeus era assimilada, isto quer dizer que se sentiam cidadãos de seus países, encarando a religião como uma fé, não uma nacionalidade. Isto se traduziu na possibilidade de sentir-se em casa onde viviam. Enquanto qualquer um de nós conseguir manter uma vida cotidiana minimamente organizada, entre lugares, pessoas e hábitos familiares, raramente nos deixaremos alterar. Foi isso o que aconteceu com aquela gente, fizeram de tudo para continuar uma vida normal, apegados ao seu lugar.

O método de tortura utilizado pelos nazistas não foi apenas a miséria em que os prisioneiros foram condenados a viver, tratava-se do empenho em privá-los de todas suas referências pessoais (cabelo, roupas, pertences, rituais, nomes), desta forma suas personalidades eram assassinadas antes que seus corpos. Pois bem, são justamente estes traços que constituem o conjunto que chamamos de “eu”, os que nos impedem de perceber que somos parte de um coletivo. São a tão preciosa identidade, que tanto tememos arriscar quando somos forçados a compreender que fazemos parte de um coletivo, de um momento histórico. As pedras no caminho tornam estas personagens históricas vizinhos e antepassados das pessoas reais que vivem naquelas casas. Inserem a memória na vida de gente como a gente. A idéia de Demnig é genial porque se instala no cerne desta contradição entre o indivíduo e o cidadão. Ela nos obriga a tropeçar na verdade.

14/07/04 |
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