Casulo de Tristeza
Casulo de tristeza: habitat das nossas transformações
Tristeza tem fim sim, mas é inevitável e, uma vez que ela chega, deve ser tratada como hóspede importante. Não adianta fingir que ela não está ali, no meio da sala com suas malas ao lado, pronta para passar uma temporada dentro nós. Melhor acomodá-la, fazer um café e ver o que ela tem para contar. Trata-se de visita que nunca aparece sem uma missão, se for levada em conta, mais cedo parte.
Ela surge bem cedo na vida, só que não é dado às crianças ficar suspirando por aí. É na puberdade, fase cheia de desânimo, que ela aprende a se instalar. A partir daí, volta e meia dá medo de viver e é preciso procurar abrigo. Há outros jeitos de desconversar a desesperança, mas não se cresce sem essas visitas. Carece construir um bom casulo de tristeza: ele é como um escudo protetor, um lugar onde se recolher para temer, questionar e olhar o mundo de fora. Entramos nessa espécie de abrigo em diferentes fases da vida, passa a ser o habitat das nossas transformações. Pensando assim, a tristeza parece algo bem menos pernicioso e assustador.
Quando perdemos um ser querido, certamente é hora de voltar para dentro. No luto, a morte espalha seu absurdo sobre cada detalhe da vida. Cada gesto, cada fato, cada idéia alardeiam ausência. Se conseguimos invocar uma presença hipotética daquele que partiu, supondo o que diria, do que gostaria, o que faria em tal ou qual situação, seu caráter imaginário de fantasma acaba se revelando e a tristeza nos engole. O mesmo ocorre com outros tipos de perda: o desemprego, uma separação amorosa, o exílio, só para citar alguns. São longos períodos de dor, nos quais continuamos nos surpreendendo com a falta da pessoa, do lugar, da ocupação. O trabalho do luto, ou seja, da tristeza, consiste em acreditar, aos poucos e a contragosto, no insuportável e incompreensível. A tristeza é senhora, desde que o samba é samba é assim, como diz Caetano, e emenda: tudo demorando em ser tão ruim.
Recentemente, na nova edição do DSM, apelidado de “Bíblia da Psiquiatria”, incluiu o luto na patologia da depressão. A depressão é diversa do casulo de tristeza, de onde saímos superados e diferentes. Ela se parece mais com uma toca, da qual não se quer sair por nada e sequer se sabe bem como foi que se acabou lá. O manual tenta estabelecer prazos, no caso duas semanas, para diferenciar um luto necessário daquele que seria depressivo. Entendo esse esforço de compreensão do sofrimento, mas no que diz respeito à tristeza, as regras psiquiátricas parecem não falar sua língua. A música sim soube dizê-la: o samba é pai do prazer, o samba é o filho da dor, o grande poder transformador. Ao regulamentar a tristeza, ao suprimir seus aspectos positivos com remédios, ficaremos privados do casulo, da dor e de seu poder transformador.
Inteligente e real seu artigo. Resta ter o entendimento de que o trabalho de conscientização da tristeza é pessoal e intransferível. As pessoas estão querendo tristezas descartáveis e não assumidas e reeditadas. Valioso o trabalho da psicoterapia.
Oi amigos, saudades de vocês.
Abraço grande
M Helena
Interessante texto, simples de entender, linguagem eivada de conhecimentos,assunto atual e angustianate, tradizido em forma a atingir profundamente as pessoas interessadas.
Sempre que possível leio teus “posts”, pois o que escreves se parece com o que penso, ou seja, como tua leitora e admiradora tenho grande intimidade com tuas palavras. Já disse o poeta que um bom escritor é aquele que lê nossos pensamentos. Hoje, particularmente, me ajudaste a entender e ser mais paciente com a dor do meu filho que perdeu um grande amigo na boate Kiss, e a namorada o deixou recentemente, traindo-o. Sei que ele precisa de um tempo, não, não é depressão, pois sabe o porquê da sua dor, mas mãe, mãe não quer ver o sofrimento de um filho. A dor dele é como se fosse minha, sinto-a e respiro-a junto. Impacientemente tento com que ele se afaste dessa dor, não queria vê-la em seus olhos, mas sei que ela é necessária. Obrigada, Diana, hoje lí o que queria ler. Adianto que meu filho voltou a viver melhor, faz uma semana que começou a sair e procurar novos amigos/as, e eu calei minha dor na esperança de que ele volte a sorrir em breve. Abs.
a dor de um filho é além da nossa razão!
obrigado sandra pelas tuas palavras!
abraços
diana
Conheci recentemente teu trabalho através da Vida Simples. E já virei fã. Esse texto sobre tristeza é de uma poesia comovente. Parabéns.
oba! gracias!
abraços
diana