Não mais que de repente
Sobre amadurecimento
De repente, sem querer, eu me disse: agora é pra valer. Estava me referindo à vida, à vida adulta, aquela para a qual tenho passado os últimos 47 anos me preparando. Mesmo com duas filhas, um livro escrito e uma árvore plantada (não me lembro bem, devo ter plantado alguma…), parecia que nem tinha começado ainda. Sempre pensei que chegaria o dia em que deixaria de sentir-me intimidada frente àqueles que admiro, em que me consideraria uma mãe suficientemente boa e uma mulher de verdade, em que saberia administrar o dinheiro que ganho como se fosse meu. Isso ainda não aconteceu, mas sim outra coisa: comecei a olhar para o taxímetro e ver o quanto de vida já gastei.
Cinderelas, com uma pequena ajuda das amigas
Sobre o livro de André Gorz
Como Carrie, Charlotte, Miranda e Samantha, Cinderela também sonhava com um príncipe e achava que seu valor dependia da suntuosidade das suas roupas. Através das suas aparições e fugas do baile, das pistas que deixava como rastro a cada noite, a princesa saída das cinzas ensinou sucessivas gerações de meninas a fazer o jogo da sedução. Sex and the City, o filme, é uma comédia romântica que parece ser mais uma versão da história clássica da Cinderela, embora de borralho as moças de Nova York entendam pouco. Nesses filmes a tarefa central das personagens é encontrar um príncipe encantado, mas nesse há um toque a mais: é a amizade, o amor fraterno, que sai consagrado no fim.
Carta a M. sobre Carta a D.
Sobre o livro de André Gorz
Mário, acabei de ler o livro que teu amigo te deu de aniversário: Carta a D.: História de um Amor. O livro é uma carta aberta, um manifesto de amor duradouro, mas também o balanço final da relação de 58 anos de André Gorz com Dorine Keir. O escritor André era um judeu austríaco que viveu o intenso século XX, navegou pelas águas do existencialismo, do marxismo, foi uma das figuras inspiradoras das idéias de maio de 68, precursor do pensamento ecológico. Dorine era uma inglesa, que iniciava uma carreira teatral quando se conheceram, mas que dedicou a vida à parceria com o companheiro.
Diz que me ama, olha pra mim!
Sobre a capacidade de ficar só
Maldito dia dos namorados: todo ano a choradeira é igual. Os solteiros se lamentam, por motivos óbvios, os comprometidos também se queixam do pouco amor recebido, e até os mal acompanhados descobrem por que ainda não se separaram. O mundo parece gritar que o amor é tudo. Provavelmente, esse coro de insatisfeitos (ao qual pertencemos, sim, sempre ou de vez em quando) está pedindo do amor o que ele não tem para dar. O amor anima, mas não completa. Esqueça daquele papo de meia laranja ou alma gêmea. Para sermos menos lamurientos, precisamos ter a capacidade de estar sós.
Uma autobiografia fora do armário
Sobre homossexualismo e a autobiografia de Alison Bechdel
Alison Bechdel escreve com imagens. Em 2006, lançou “Fun Home”, sua autobiografia em quadrinhos, ganhadora do “Eisner Award”e publicada no Brasil pela Conrad. Não perca.
Juno
Sobre a maternidade adolescente e infertilidade
Dos rivais que a libertação feminina tem enfrentado, os mais indomáveis parecem ser os ritmos biológicos. Ficamos prontas para engravidar, com a fertilidade a ponto de bala, o corpo viçoso e flexível, quando a cabeça ainda tem muitíssimas outras coisas com o que se ocupar. Depois, quando certas escolhas já foram feitas, e algumas garantias nos tranqüilizam, aí já estamos fisicamente mais frágeis para conceber e parir. Se então quisermos ser mães, necessitaremos repouso e assistência médica.
Soutien invisível
Sobre plásticas e imperfeições femininas
Qual não foi minha surpresa quando, ao entrar no banheiro feminino, de uma festa infantil, encontrei três mulheres exibindo animadamente seus seios umas para as outras. Mais surpresa ainda fiquei quando fui convidada a apreciar as mamas de mulheres que conhecia, mas não tão intimamente assim. Nada contra, fruto do rescaldo hippie da década de 70, acabei sendo meio naturista.
De tudo resta um pouco
Sobre o livro Louca por homem de Claudia Tajes
Amar é despersonalizar-se. Aos nossos ouvidos isso mais parece palavrão. Deveria ser assim: a gente escolhe, na hora em que bem entende, alguém que case com nosso modo de ser e estar; e uma vez encontrado aquele que se molda ao nosso desejo, ficaremos com ele tanto quanto nos convier. Além disso, a separação não deveria nos destruir, depois de cada fim poderíamos voltar sem maiores traumas para o ponto de partida, abastecendo-nos de nossos ricos recursos pessoais. Quanta idealização há nessa pretensiosa fantasia contemporânea!
Meio século de Barbie
Sobre a repesentação dessa boneca para as mulheres
Passei parte da minha infância brincando na casa da vizinha. Era uma mulher bonita, parecia saída de um filme americano e não faria feio num bairro de casinhas brancas da Califórnia. Esposa de piloto, tinha acesso a todos os objetos que o boom de consumo pós-guerra tornou subitamente essenciais. Ela levava no mínimo uma hora para emergir do seu banheiro, deixando espalhado um rastro de cosméticos de cheiro bom. Grandes olhos azuis, sempre com delineador, pancake passado com esmero de fotoshop, boca duas cores, mais escura por fora e clara por dentro. Suas duas filhas eram minhas parceiras na faina das bonecas. Foi ali que conheci a Barbie.
Com quantos paus se faz um homem?
Sobre a construção da imagem masculina pelas mulheres
Alta e jovem, a mãe caminhava de mãos dadas com seu filho, um daqueles pós-bebês que já têm um ar másculo, menos de metro de altura, presumíveis três anos, mochilinha nas costas. Ajeitei o passo para ouvir a conversa.