Cinema infantil para adultos
Sobre Shrek 2
Na sessão legendada à qual compareci para ver Shrek 2, praticamente não havia crianças presentes. Poderá se argumentar que é obvio que elas foram ver o filme dublado, o que é correto, mas o detalhe é que o cinema estava lotado (na dúvida, verifique a média de idade do público de Harry Potter). O que estávamos fazendo lá? Há algo no formato do entretenimento infantil que nos atrai. O que será?
Shrek 2 é um filme recomendável para maiores de 18 anos. Se você tiver visto o primeiro (senão fica difícil compreender a história), suas duas horas de diversão estão garantidas. Incompreensível para menores, o filme é cheio de alusões cômicas a Hollywood, a filmes adultos e astros em geral e o grande vilão é a obsessão pela aparência. Estas referências aparecem mescladas à irreverência que o primeiro filme da série já havia demonstrado quanto aos contos de fadas. Óbvio que os pequenos não pescam nem metade destas brincadeiras, mas o filme até tem partes reservadas para eles.
A infância é uma verdadeira obsessão para o nosso tempo: as crianças são o espelho do quão grandes acreditamos que poderíamos ter sido, se tivéssemos tido as oportunidades que procuramos oferecer a elas. Vê-las crescer é difícil, porque elas se tornam gente comum, problemática e atrapalhada como nós. De qualquer maneira, de frustração em frustração seguimos idealizando a infância e os potenciais que lhe atribuímos. Compartilhar com elas sua ficção é assumir que a condição infantil é uma das versões do nosso ideal, viajar em suas fantasias uma fuga necessária.
Além disso, a mordacidade cômica do Shrek é uma espécie de antídoto contra algumas ilusões que compramos no entretenimento adulto. Quando queremos nos distrair, vamos ao cinema para observar o orgasmo cósmico, o romance perfeito, a coragem e a força que não arrefecem, mas muitas vezes saímos sentindo-nos mais mal amados, fracos e covardes do que entramos. O Shrek e sua ogra são verdes, gordinhos e fazem pum, eles são amantes meio crianças, como muitos de nós em boa parte do tempo.
Os personagens do entretenimento infantil, que são pequenos, fracos e fazem graça de si mesmos, tendem a ser mais fáceis de se identificar do que os esguios e infalíveis heróis do entretenimento adulto. Ainda, os filmes cômicos reservados aos adultos enveredaram pelo chato viés do vulgar e pornográfico. É um alívio ver toda essa palhaçada da busca pelo sucesso e beleza de fora, mas como fazem as crianças, que podem brincar com o que vão ser quando crescerem. Talvez rir disso seja o melhor remédio contra as toneladas de cansaço que a vida nos impõe. Não se envergonhe, vá ver o Shrek.