Cobaias do amor

Sobre o amor dedicado aos animais domésticos

Sou cachorreira e gateira, não acho que tenhamos que escolher entre os dois. Além disso, apesar da minha completa e incurável falta de religiosidade, sempre pensei que agradeceria ao criador a invenção de um felino em miniatura, de ferocidade controlável. O gato é uma das perfeições da natureza, imagine ter uma pequena pantera tomando sol no parapeito da sua janela! Divino. Quanto ao cão, quando nos elege como horizonte da sua existência, é capaz de ser totalmente fiel e respeitoso. Essa é a experiência mais próxima que temos de ser deuses. Mas estamos nos mais óbvios, tem quem curte peixe, hamster, iguana, cobra, rato, pássaro, e cada um fará um discurso das razões de escolha do seu animal de afeição.

Tão estimados são esses animais, que esquecemos inclusive de que eles são bichos e, não raro, os torturamos por incapacidade de compreendê-los. Há cachorros que precisam espaço, matilha, rusticidade, não adianta trancá-los, eles roerão seus móveis. Quanto aos gatos, eles já nascem livres e usarão qualquer brecha para vadiar e voltar estropiados ou prenhas. Há animais que morrerão de tristeza se ficarem muito tempo sem companhia, outros vão dar graças a deus quando você leva suas adoráveis pestinhas ao colégio e ele poderá finalmente dormir. Animais, portanto, têm suas especificidades de espécie, raça e personalidade, eles não são um objeto à nossa mercê.

Além do mais, cuidar de um animal é como administrar um setor do zoo: dá muito trabalho e exige conhecimento etológicos e veterinários. Por isso, apesar dos exageros cometidos pelos malucos que tratam bicho melhor que gente, considero que eles são benéficos, pois oportunizam um vínculo que, mais que a eles, é a nós que humaniza. Não somos de todo preparados para compreender que alguém que se relaciona conosco tem existência própria. Não raro tratamos aos outros humanos como se fossem um poodle de bolsa. Tem gente tentando tosar o namorado e carregar amigo ou filho como se fosse amestrado.

Mas o interessante é que adotar um animal acaba sendo um campo de experiência afetiva. Pessoas que moram sozinhas, casais sem filhos, famílias ensimesmadas, velhos entristecidos, entre tantos que acabam aprendendo ou reaprendendo a amar quando cuidam de um animalzinho. Adivinhar o que alegra, inquieta ou adoece seu animal, impõe um exercício de grandeza, de transcender suas vontades ou certezas, para tentar adequar-se a essas estranhas necessidades. É pena que seguido acontece que o animal não consegue fazer-se entender pelo seu humano de estimação e nenhum dos dois se domestica.

O dono de um animal é um estagiário da vida amorosa, que exercitará a arte de compreender outra espécie. Todos os aprendizes da vida amorosa (quem não é) se beneficiariam com esse desafio de desprendimento que um animal propõe. Este é um estranho caso em que as experiências com cobaias animais são sem contra-indicações.

30/05/07 |
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