Cobertor de Orelhas

Sobre escolhas na vida amorosa

Com os acordes dos primeiros frios começa a sinfonia das relações estáveis… Até que o verão os separe. Da mesma forma como é preciso trocar as roupas do armário, subindo biquínis e descendo cachecóis, surge o discurso de que é a boa época para namorar, tomar um vinho e ver filmes em baixo do cobertor, de preferência um cobertor de orelhas. Quem escuta essa conversa, que não é exclusividade dos homens, acha que mandamos em nosso coração, que poderíamos adequá-lo de forma a melhor fruir os encantos de cada estação: no verão a liberdade dos corpos à mostra, convidando a experimentar tudo e todos, no inverno o recolhimento da intimidade. Será que é assim?.

Certamente não nos tornaremos dedicados, fiéis e tolerantes com alguém só porque é inverno lá fora. Constituir uma relação estável é complicado e não muda conforme a época, como o seletor de temperatura do ar condicionado. Namoramos quando se impõe a necessidade de escolher alguém, fora da família, com quem estabelecer um vínculo prioritário. Um amor estável é aquele que é tão forte quanto o que há entre pais e filhos, mas que rivaliza ou substitui esse amor primordial. Por isso o amor se impõe tiranicamente na adolescência, quando precisamos acreditar que há vida fora do bunker familiar, que há oxigênio lá fora. Por outro lado, quando a necessidade de seduzir e de ser desejado por pessoas diversas é mais importante do que a manutenção desse laço, apenas ficamos e ficamos e ficamos… Também, quando os vínculos com pais e ou irmãos são insubstituíveis, ou quando nossa família é tão sufocante que acabamos com urticária de gente pendurada, evitamos relações estáveis. São os casos de overbooking de afetos. Isso só pra abranger alguns casos, entre milhares de alternativas. Como se vê, o clima é uma variável decididamente menor.

Mas adoramos achar que decidimos livremente e de fato temos escolhas, nada nos impede de casar, separar, transar, ficar, morar junto. Somos livres dos grilhões visíveis, mas não dos invisíveis desígnios do inconsciente. O modo de amar é nosso sintoma mais difícil de debelar porque é o encontro de duas cabeças, que produzem uma sentença, que ambos juram que é do outro. Amar é terceirizar nossa neurose. O outro sempre nos influencia, não porque sejamos dóceis e manipuláveis, mas porque aproveitamos suas soluções para nossos problemas. Se o amado é autoritário, posso ser infantil, se é ciumento, posso ser promíscua pelo menos em sua fantasia, se é dependente, posso ser maternal, e assim por diante. A alienação amorosa é completa: não sabemos por que escolhemos alguém, ignoramos para que ele nos serve e ainda acreditamos que é dele que emanam nossas razões. E é justamente aí que mais fantasiamos estar escolhendo…

Se você aproveitar o inverno para namorar, não culpe o termômetro. Algo o convenceu a dependurar as chuteiras da conquista no cabide ao lado da lareira. Se a opção é por uma forma de calor que não discute a relação, fique tranqüilo, você não está fora da moda da estação.

27/06/07 |
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