Coelhinho da páscoa o que trazes pra mim?
Sobre acreditar nele na infãncia
Sinto muito se vou destruir a fantasia de muita gente, mas cabe-me a incumbência cruel de desmascarar uma mentira: o Coelho da Páscoa não existe. Os adultos compram chocolates em forma de ovo, coelho e cenoura, montam e escondem cestos com doces e palha, espalham pegadinhas brancas pelo chão da casa, tudo para manter viva sua crença no peludo emissário da festa da gula infantil. As crianças, por sua vez,fazem-se de bobas, afinal, porque desiludir essa gente tão grande e tão frágil que também precisa brincar? Nada tenho contra a fantasia do Coelho da Páscoa compartilhada em família (muito menos contra os chocolates). Gostaria apenas de elucidar a quem e para quê servem certos personagens fictícios que apresentamos às crianças, como esse coelho, a Fada dos Dentes e o Papai Noel, que estão entre os mais populares da ala do bem.
Uma menina de onze anos escreveu uma história que pode nos ajudar a pensar a respeito disso, pois a protagonista ficava muito indignada com as mentiras que os adultos lhe contavam. Seu trabalho investigativo começava ocupando-se dessas fantasias mais comuns, mas seguia desvelando questões mais difíceis, como a morte, a doença e os segredos familiares, assuntos sobre os quais os adultos enrolam as crianças. Na medida em que suas descobertas iam se sucedendo, a ingenuidade infantil foi sendo substituída por uma mágoa, em função de ter sido enganada por tanto tempo. Porém, certo dia, ocorreu-lhe algo estranho: quando viu, estava contando a lorota do Papai Noel para uma criança menorzinha do que ela. Foi aí que descobriu que a mentira pode ser também um ato de proteção. Os mais velhos utilizam a fantasia até que a própria criança tenha a coragem e a estrutura necessárias para enfrentar as coisas duras da vida. Quando estão prontas e querem saber mais, as crianças perguntam e têm direito à verdade. Por outro lado, enquanto precisarem da ingenuidade e da fantasia, dificilmente serão convencidas a encarar a realidade. As crianças são mestras das próprias comportas, em condições normais elas regulam sabiamente o que entra e sai de suas cabecinhas.
Quanto a nós, adultos, a hist ória é outra. A vida já nos cerceou a capacidade de fantasiar, mas nem por isso costumamos ficar em grande contato com a verdade. Mentir-se e contar as coisas conforme a versão que convém é especialidade de todos. Sendo assim, qualquer fracasso no amor ou no trabalho se deve a que os outros ou o mundo são injustos; sempre que dá fingimos que a doença e a morte não existem, além disso, não há dúvida de que somos bonzinhos e magnânimos enquanto os outros é que são mesquinhos. Convenhamos, são mentiras tão tristes! Ao contrário, as que contamos para as crianças são bonitas, divertidas e cercadas de rituais. O problema, é que quando as crianças crescem e não querem mais brincar, nós é que ficamos sem graça. Por vezes, elas até fingem acreditar por mais tempo, para não nos deixar à mercê de nossas mentirinhas medíocres. Realmente, cuidar dos adultos é muito trabalhoso para as crianças…