Confesso que olhei
sobre mulheres, imagem corporal e desejo
Estávamos em um táxi, uma amiga e eu, quando, no meio de nossa conversa fui assaltada por uma visão: uma mulher ostentava um traseiro exuberante. Indaguei se ela havia visto “aquilo”, mas não, só eu fora capturada. Noto bundas porque, nesse aspecto, a natureza não foi muito justa na distribuição das suas benesses. Acredito que algumas mulheres receberam a parte que me cabia neste item. Esse olhar para o mesmo sexo não me faz uma exceção entre as mulheres: temos os olhos postos umas nas outras, mas sempre na busca do “que ela tem que eu não tenho”. O maior zelo na indumentária feminina responde a uma preocupação com o olhar crítico das outras: por trás dessa rígida avaliação há uma disputa, um desprezo que esconde as falhas que cada uma julga ter.
Muitas cenas de ciúme baseiam-se no momento do casal em que se percebe, ou se supõe, que o ser amado estaria desejando outra pessoa. Mas frequentemente os ciumentos estão equivocados: reconhecem melhor o próprio desejo do que o do outro. Meu marido costuma dizer que sempre fico com ciúmes das mulheres erradas. Procede, pois ele me escolheu, e como boa mulher ainda não entendo o que o teria levado a fazer isso, portanto, jamais teria ciúme de alguém que remotamente lembrasse meu tipo. Prefiro as que trazem o que me falta, são essas que me interessam.
A discórdia conjugal sobre quem é atraente revela que as motivações para olhar alguém são diferentes. O desejo sexual representado por esses olhares responde muito mal às tentativas de enquadrá-lo em clichês e padrões. Por exemplo, supomos que ele sempre se direciona para um objeto que gostaríamos de possuir, mas muitas vezes ele é guiado pelo que queríamos ser.
Para as mulheres, a relação com a própria mãe é de exclusão, não há lugar para duas no mesmo castelo, como bem sabia a Rainha bruxa, madrasta de Branca de Neve. A madrasta de Cinderela dava jeito de esconder a única filha bonita; foi uma velha fada contrariada (provavelmente com sua velhice) que condenou Bela Adormecida ao sono eterno, justamente quando ela atingia a flor da idade. Apesar de madrastas e bruxas, todas elas são figuras maternas, histórias são como sonhos: um baile de máscaras. O sexo feminino construiu sua identidade sob uma tradição de disputa, em que se luta por ser “a escolhida”, portanto, os maiores atrativos de uma mulher são os que ela imagina que a tornam elegível.
Como se vê, um olhar, muito mais do que traduzir uma simples cobiça sexual, é pautado por todas essas pendências. Por isso, sem vergonha nenhuma, confesso meu segredo: reparo em bundas. Elas representam os atributos que acredito que me faltam, nelas encontro a fantasia de uma mulher verdadeira, perfeita, essa que nenhuma nunca será.