Da natureza do pai

Sobre o dia dos pais, postado por Diana

Conheci meu pai quando eu tinha seis anos,quando minha mãe, viúva, casou-se com ele.Quando eu tinha 8 meses perdi meu primeiro pai, fulminado por um precoce ataque cardíaco. Quando aquele que seria meu segundo pai começou a cortejar minha mãe, fui-lhe indiferente, tentei seduzi-lo como fazia com todo mundo, mas não de modo especial.

Nada parecia abalar minha rotina de órfã paparicada por um bando de mulheres, todas muito ocupadas, mas maternais. Meu avô materno morreu logo em seguida a meu pai,o paterno morava em outro país e provavelmente achou que desapareci com seu filho. A idéia de um pai parecia-me atraente, queria um como quem quer um brinquedo, não fazia idéia do que seria ter um.

Quando eles casaram, perdi a casa das muitas mulheres-mães em que vivia, no Uruguay, e mudamo-nos para São Paulo, onde meu futuro pai(ele nunca foi pardasto) trabalhava como engenheiro químico.Foi aí que descobri que ter um pai é bom, mas é dureza. De uma hora para outra meus caprichos e necessidades cederam espaço para outra realeza: ele. Foi aos poucos questionando minhas urgências e carências e, graças aos seus desafios, fui dolorosamente fortalecendo-me. Posso compreender cada linha da dor do menino retratado por Proust no seu Tempo Perdido: à espera da mãe, de qualquer mãe que fosse, para lhe aplacar a solidão noturna e de sua certeza de que ela não atenderia às suas chantagens amorosas por uma proibição DELE.

Sua presença me magnetizava,ele era grande, porque não estava acostumada com homens na minha vida,e trazia consigo um acervo de coisas e eventos que me revolucionaram. Um novo país, uma nova língua, uma mãe envolvida com ele, ao invés dos negócios da família que anteriormente polarizavam a atenção dela. O sumiço das velhas que me mimavam, que ficaram na minha casa de infância. Em torno dele, sempre havia uma música clássica tocando e eu devia fazer pouco ruido. Ele falava comigo como se eu fosse gente grande, não tinha o hábito de conviver com crianças. Ele me fez crescer, em todos os sentidos.

Sei que a minha é uma história pouco típica, que em geral costuma-se ganhar um pai quando se nasce, sua instalação na vida da criança está desde sempre. Porém creio que apenas acontece de forma, digamos, lenta e gradual, o que me ocorreu de forma compacta. Um pai é aquele que vai puxando aos poucos e sistematicamente o filho de dentro do corpo e do coração da mãe, ele o leva para terras novas, onde o filho precisa superar-se, mostrar a que veio, descobrir culturas diferentes. A voz materna embala, hipnotiza, encolhe, a paterna é como uma corneta que chama para a batalha, saia, lute! Os psicanalistas falam em “funçaõ materna” e “funçaõ paterna”, e hoje fica bem claro que estas tarefas não estão encarnadas num homem e numa mulher específicos. Hoje, muitos pais são doces e organizados, dando às crianças um aconchego que suas mães, enlouquecidas pelo trabalho, estudo e outros desafios, por vezes não conseguem prover. Elas, por sua vez, desafiam seus filhos a vencer no mundo real, já não lhes basta que eles limpem o prato para estar satisfeitas…

No documentário de Eduardo Coutino, “Jogo de Cena”, alternam-se mulheres reais, contando sua própria história, com atrizes, para confundir-nos ou mesmo para revelar que é sempre de uma história ficcional que se trata, mesmo que seja a própria. Os pais fazem isso: alternam-se, complementam-se e substituem-se para fazer o jogo de cena de ser pais e mães. No fim tudo costuma dar certo na maior parte das histórias, independente das correrias, dos tiroteios verbais, das intrigas, dos desencontros, na vida como nos filmes.Quando não dá, bem, a loucura nos espera para mostrar que viver é mesmo muito perigoso…

Portanto, neste meu primeiro dia dos pais sem o meu, que demonstrou que não há dia nem lugar para tornar-se um, queria deixar aqui minha homenagem a todos esses bravos homens que ousaram cometer um filho ou mesmo tornar-se pais de um já nascido, como fez Juan, meu segundo pai. Fiz o possível para demonstrar a ele que valeu a pena o esforço, a incomodação, que todos os filhos demandamos. Todos os filhos fazem isso, mesmo que seja de um jeito torto, indireto, dando preocupação. Mas uma certeza vale a pena: a funçaõ paterna é o exercício de uma tarefa na qual voce será marcante, será o sábio conselheiro a ser ouvido e o bobo da corte de quem se ri, será o gênio da lampada a quem se fazem os desejos e o ogro malvado que guarda as riquezas e come criancinas, será o Golias a ser abatido e o rei Arthur em nome de quem fazer-se cavalheiro.Vale a pena? Talvez não, mas que é um desafio gostoso…

P.S.: ao Mário,Super-Mário, sempre soube que a paternidade era um dos teus poderes!

Postado no blog “Terra do Nunca”
10/08/08 |
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