De Patinho Feio a Cisne Negro

Sobre o filme Cisne Negro

Todo Patinho Feio teme nunca acordar na pele de um cisne. Só temos a coragem de ler para crianças essa trágica história de Andersen porque antecipamos o final feliz, já sabido por todos. Hoje vejo nas fotos que fui uma menina até bonitinha, mas apesar de filha única e paparicada lembro bem como me sentia insignificante e sem atrativos. Quando crianças, sentimo-nos feios, minúsculos, frágeis e sobrevivemos da promessa do porte que atingiremos um dia. Peter Pan é envolvente, mas sua história seria um pesadelo se de fato fossemos condenados a nunca tornar-nos belos jovens, independentes dos adultos, amantes ou amados de alguém, dispondo da força e do vigor daqueles que estão no auge da sua forma física. Mas tampouco esqueçamos o quanto a pequena ave sofreu, rejeitada pela mãe, solitária e hostilizada por todos. Essa também é uma parte da história que nos diz respeito. Para crescer, abandonamos aqueles que nos protegem enquanto nos sentimos rejeitados por eles. Colocamos nos pais ou substitutos as culpas pela distância que sentimos necessidade de estabelecer entre nós e eles. Crescer, para ser um belo cisne, é uma jornada de rupturas, desamparo e a incerteza de chegar a ser alguém digno de respeito.

No filme “Cisne negro”, de Darren Arnofsky, é uma jovem bailarina que vive essa transformação. Com sua disciplina de boa menina, cabelos alinhados e tutus rosas pode ser uma boa bailarina, mas não é ainda mulher para viver o papel do cisne negro, figura sedutora e diabólica que almeja encarnar no palco. Encabeçando as resistências a que a transformação em cisne negro aconteça, está a figura de sua mãe possessiva, sucessora da bruxa de Rapunzel, que retém a menina em seus domínios e não suporta vê-la transformar-se em uma fêmea adulta, capaz de atingir a visibilidade que ela, uma bailarina frustrada, nunca alcançou. A bailarina do filme descobre que o papel de filha submissa é incompatível com sua entrega à dança. Através da dança metaforiza-se o surgimento de uma mulher, que rompe com a mãe, supera-a e aprende a usar o corpo para seu prazer e glória. Afinal, como belo cisne negro se realiza no palco, polarizando os olhares, fazendo o papel que os clichês de seu sexo designaram como próprio. A boa filha não é compatível com a bela mulher. O patinho lindo da mamãe precisa ser assassinado, para chegar solitário, sofrido e incrédulo ao seu lugar de cisne.

Assim como a nossa, essa não é uma história boba de esforço e superação, é uma vertigem paranóica, cheia de pesadelos e com destino insabido. Parafraseando Rosa: “crescer é muito perigoso”.

16/02/11 |
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