Dia das bruxas
Sobre o Hallowen e o medo que temos das crianças
Hoje é Halloween, no Brasil, Dia das Bruxas, ou, para alguns, Dia do Saci. A data é originária do calendário celta, celebração de um momento em que os portais que separam vivos e mortos se abrem, possibilitando cultos, homenagens, rituais, festas e outros trânsitos. Os americanos a transformaram num carnaval de tintas sinistras, góticas e noturnas, mas tudo isso se torna uma brincadeira de crianças.
Gostemos ou não, essa festa vem pegando por aqui, tanto que o Dia do Saci é uma reação a isso. O que os nacionalistas não perceberam é que não há como reduzir um dia de celebração mágica, macabra e lúdica, onde todas as representações da morte são bem vindas, aos personagens do nosso folclore. Aliás, nossa cultura carece de uma celebração festiva dos mortos, a criatura do gorro vermelho não se presta, sequer, para mensageira com o mundo dos que se foram.
O Halloween americano deve sua popularidade global a duas características: as fantasias sinistras, que decoram corpos e casas, e as brincadeiras infantis. Nosso Carnaval de exportação, reduzido a um desfile de peladas rebolantes, privou-nos das fantasias, das máscaras. Pena, porque colocar uma fantasia areja a alma, ajuda a esconder a identidade enquanto revelamos algum segredo. Mas as festas são diferentes, porque no Carnaval brincamos com o sexo, enquanto que, no Dia das Bruxas, tentamos zombar da morte.
Mas as gostosuras ou travessuras infantis revelam um outro monstro contemporâneo, representado por essas mimosas criaturas. Todas crianças são travessas: imperfeitas, resistentes à educação, ficam adiando o crescimento e se fazendo de bobas frente às lições, abrigam medos irracionais, sonham quando as precisamos despertas e se mantém acordadas quando as queremos dormindo. Investimos tanto nelas que esperaríamos uma contrapartida de mais qualidade.
O Halloween se consagrou nos moldes atuais junto com o baby boom norte-americano, quando as famílias construíram bolhas de bem estar para repovoar o país de cidadãos saudáveis, capazes de garantir a felicidade geral da nação. O tiro saiu pela culatra e surgiram os adolescentes transviados e enfastiados, que demonstram a impossibilidade de controlar os filhos, por mais que se faça. Se importamos essa festa é porque também temos medo de que nossas crianças descontroladas destruam tudo com suas travessuras infernais, como os Gremlins, do filme de 1984.
Além disso, por mais que coloquemos cultura instrutiva e pasteurizada na mamadeira das crianças, elas logo mostrarão seu guloso paladar para fantasias mais radicais, envolvendo também a morte. Por isso, essa festa pagã necessita de um exército de monstros tão vasto quanto a imaginação humana pôde criar. Combatê-los será tão infrutífero quanto queimar as bruxas na fogueira já que, como se vê, elas sobrevivem. Além disso, o Saci, garoto travesso, seria o primeiro a se divertir nessa festa.