Efeito borboleta

Sobre a ópera Madame Buterfly

Dois primeiros encontros na minha vida, com a ópera ao vivo e com Madame Butterfly. A obra estreou ontem no Teatro Solis, em Montevidéu, e eu confesso que mal lhe conhecia a trama. Da história eu só tinha uma breve notícia sobre desengano amoroso e final trágico. Mas ambas foram muito impressionantes.

Em primeiro lugar, a experiência da ópera, que julguei que me seria longa e custosa, revelou-se arrebatadora. A ópera é a trilha sonora acompanhada do filme e não vice versa, a ópera é o cantor-personagem juntando o calor da sua presença dramática com a igualmente dramática performance da voz. E que instrumento que é a voz! Tudo isso para contar uma história para um público cujos ânimos devem acompanhar os altibaixo das vozes.

Madame Butterfly, uma japonesa que fez o que as mulheres fazem de melhor, escolher entre a identidade e o amor, preferindo o segundo, foi também, para mim, uma estréia perfeita. A personagem Cio Cio San abre mão de sua tradição e adere ao catolicismo para melhor adequar-se ao casamento que havia sido arranjado para ela, por isso acaba sendo renegada por seus parentes. Porém, para Pinkerton, o oficial da marinha norte-americana que a toma por esposa, o casamento tratava-se de uma experiência passageira de amor e sexo com uma jovem de outra cultura. Ele foi leviano, irresponsável e até cruel com ela, usou-a como objeto, enquanto Butterfly mais do que ser enganada por ele, sucumbiu às suas próprias mentiras. Não havia evidências que a convencessem que seu amor não retornaria para seus braços. Esperou qual Penélope, consagrou-se a seu amado ingrato, e tanto esperou que no final desesperou.

A entrega absoluta, que é própria da paixão, por vezes torna-se modo de vida, principalmente para algumas mulheres. Para estas, que se auto-exilam de si mesmas para viver um grande amor, não há retorno. Por isso o fim do amor coincide com seu próprio fim. Amar é sempre assim, deixar para trás o que se é para incorporar um pouco do outro em si mesmo, fundir-se parcialmente. Ser mulher sempre foi assim, abandonar a cultura paterna em troca da marital, por isso costumava-se dizer que ter filhas mulheres é regar a horta do vizinho…

Tudo mudou: tanto sabemos que a paixão é passageira que hoje a tomamos como um parque de diversões, nossos contemporâneos brincam com ela como quem entra sucessivas vezes na montanha russa; as mulheres, por nossa vez, não estamos mais tão dispostas ao apagamento de nossa identidade e desejos para amar e ser amadas, nossa existência não depende mais de ser a sra. Fulano. Mas certos dramas permanecem como mitos fundadores do amor e da identidade feminina porque ainda contem dentro de si muitas verdades, e deve ser por isso que essa trama, coletada do teatro por Puccini em 1900, ainda emociona públicos. O amor e a entrega das mulheres são farto motivo de tragédias, na arte como na vida.

 Publicado no blog “Terra do Nunca”  
21/09/08 |
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