Efeito borboleta
Sobre Virgínia Woolf e a conquista de cada dia.
Certo dia, neste verão, tentei salvar uma borboleta. Estava presa entre as cortinas do hall de uma pousada. Sem jeito, tomei-a pelas asas e a destruí. Pode parecer ridículo, mas bom tempo sofri com a imagem do inseto mutilado martelando no fundo dos olhos. O episódio não estragou o dia, nem as férias, mas pinicava a alma, como assombração.
Tenho uma particular sensibilidade ao mundo animal, pertenço ao vasto contingente dos que sofrem com as desgraças dos bichos. Isso não faz que me sinta uma pessoa melhor, sei que se pode ser doce com os animais e amargo com os humanos. Mas não era essa a razão do peso da cena da borboleta: todo pensamento é em camadas, sempre têm algo por baixo. Esse pequeno acidente representava outro, anterior. Há dois anos, nessa mesma pousada, mergulhei afoitamente na piscina e colidi com meu marido, deixando-o com um horroroso olho roxo. Recém chegados da estrada, a água azul era um oásis, cheguei correndo e tchibum! Mutilei o rosto do meu amado, as férias da família, e ainda escutei deles a reprimenda de que poderia ter sido pior se minha vítima fosse uma das crianças que nadava ali.
Lembrei disso ao ler uma frase do romance “As horas” (de M. Cunningham), que tem como personagem a escritora Virginia Woolf. Ao despertar, a personagem, que é a própria Virgínia, pensa: “pode ser que seja um bom dia; precisa ser tratado com cuidado”. Palavras muito simples, que contém o espírito da obra dela, a quem passei as férias dedicada. Na frágil existência, cada gesto, cada dia são decisivos. Mais que fatos, ela privilegiava a descrição do olhar de cada personagem, narrou a vida mínima, a que as mulheres observavam enquanto os homens faziam coisas consideradas grandes.
Virgínia, que como todos sabem acabou suicidando-se na meia idade, viveu mais intensamente do que muitos que chegam na velhice. Por vezes cansava-se da vida, principalmente de si, mas não se tornou uma narradora mórbida. Mais romântica do que gótica, era dada a perceber a beleza. Observou e descreveu os humanos ao redor como animais curiosos: queria saber do quê vivem, qual seu alimento subjetivo, de onde tiram motivos para cada novo dia. Por que seguem adiante, perguntava-se, mesmo os que parecem ter tão pouco para levar consigo? O que mantém a marcha do mendigo? A jornada dos obreiros? A persistência dos burocratas? Dos que têm que cuidar um doente desenganado?
A eminência da catástrofe, que pode mutilar como fiz com a borboleta, como o salto impensado, valoriza a vida como conquista cotidiana. Carece cuidar de cada dia, reconhecer-lhe o encanto em suas expressões mínimas, pois do próximo ninguém sabe. Este “hoje” que bate asas em nossas mãos, é frágil, mas pode ser bom.
Qual a reflexão que o texto nós passar?