Ensina-me a ler
Sobre a morte do professor Sergio Fischer
Leitura e juventude não precisam ser antagônicas. Ao contrário, os anos de formação são os de maior absorção de referências culturais, é quando elas são mais marcantes e tem-se tempo e impulso de beber em grandes goles. Pena que essa gana de viver dos adolescentes encontre-se, via de regra, tão distante dessa fonte. Exceções à parte, no melhor dos casos, eles têm acesso ao cinema, a músicas mais complexas, a programas de tv menos trash. No pior, satisfazem-se com uma vida medíocre de diz que diz, fica não fica, vai não vai, num mundo simbólico da dimensão de um bairro.
Por uma via avessa, preparar o vestibular, muitos jovens vêm-se obrigados a prestar atenção nas aulas de literatura. A cada tanto, uma lista de títulos de leituras obrigatórias é divulgada. Como fazer para que a lista não provoque apenas uma corrida ao Google, em busca de resumos e macetes? É aqui que entram os professores de cursos pré-vestibulares. O professor de cursinho vive num difícil equilíbrio: entre o espetáculo e a seriedade, do exercício da autoridade sem autoritarismo e, principalmente, da capacidade de conectar-se com uma nova geração sem renegar a própria.
Esses mestres, artistas do entusiasmo, aproveitam-se dessa enviesada oportunidade de atenção e tentam aproximar da literatura milhares de jovens enfastiados. Ao invés de resumos e dicas, eles revestem essa lista de vida, dando a Eça, Machado, Camões, e muitos outros um novo brilho, estabelecendo pontes com as novas gerações. Fazem o que faz um bom pai e um grande didata, ou seja, apresentar o mundo e seu acervo de referências aos novatos na vida.
A ocasião é impar: os alunos estão lá porque querem e precisam aproveitar essa oportunidade, já o professor não precisa avaliar, é visto como um aliado na luta pela aprovação. Isso os coloca na privilegiada posição de terem a autoridade do conhecimento, mas sem sua dimensão de cobrança. Essa relação tinha tudo para ser perfeita, mas não é bem assim. Freud observou, num texto dedicado ao cinqüentenário da fundação de seu colégio, que a relação entre professor e aluno é herdeira direta da ambivalência dedicada ao pai. O pai é admirado pelo filho, de onde provém a identificação, tanto quanto violentamente agredido e desprezado, para não sucumbir sob sua sombra. A escola é a primeira relação de autoridade extra parental que conhecemos e para ela carregamos nossas malas de conflitos domésticos. Por isso, mesmo os mais carismáticos entre os mestres, precisam suportar a agitação, a irreverência, a desatenção e até a agressividade de seu público.
Um dos malabaristas dessa arte se foi. Nossa cidade acaba de perder precocemente Sérgio Fischer, escritor, professor de letras, especialista em Camões. Mas também muitos jovens perderam seu professor de literatura, o qual, mesmo muito doente, ainda subia ao palco para ensinar com tal vitalidade que muitos alunos nem notaram que seu corpo colapsava. Mestre que é mestre ensina também com seu exemplo. Só nos resta aprender as lições desse esforço apaixonado.
Lamentável nossa juventude alienada por ideologias que promovem o consumismo e o individualismo exagerado. Tenho um filho SURDO que todo dia peço para que ele leia e assim possa ser bom e honesto cidadão.