Entrevista sobre literatura infantil
Concedida à Confraria Reinações em 05.03.2010
Palavra de confrade
1.Em que aspectos, na sua opinião, a literatura infanto-juvenil reina?
Ela reina, porque é a mãe não somente do leitor que um dia nos tornaremos, mas também de todo o universo onírico que carregamos vida afora. Fabricamos nossos próprios sonhos e fantasias; nosso artista interior não cessa de trabalhar, mas suas criações são formatadas pelas histórias que se escutou, leu ou assistiu. Neste caso, não restrinjo a literatura aos livros, já que toda história, mesmo que vire filme, peça, desenho animado ou série de televisão, em primeiro lugar, foi escrita. A criatividade é sedenta de fontes e quanto mais criativos formos menos precisaremos de pensamentos e soluções imediatos e prontos. Estas últimas podem tomar a forma do simples consumismo medíocre ou mesmo da imbecilidade fascista. A literatura infanto-juvenil reina tanto quanto conseguirmos seres humanos mais interessantes, e sua falta é origem da pobreza de espírito.
2 – Dos 34 encontros que a Confraria Reinações promoveu, qual foi mais marcante para você? Por quê?
Entre os que estive presente, menos do que gostaria, serei sempre grata à discussão que tivemos sobre História sem fim, de Michel Ende. Estava escrevendo sobre essa obra e poder trocar ideias com gente grande (em todos os sentidos) e séria sobre um livro infanto-juvenil é uma experiência rara à qual poucos adultos se entregam. Só falam sério de Machado de Assis para cima. O clima da Confraria é delicioso porque é possível também dizer “gostei”, “detestei”, “peguei no sono”, “não conseguia largar” e, a partir dessa sinceridade, tirar conclusões, elaborar sobre esse efeito.
3 – Qual a relação entre Psicanálise e Literatura, quando se pensa a escrita feita para crianças e adolescentes? Um bom livro propicia “revoluções interiores”?
Freud já dizia que nós, psicanalistas, corremos atrás de explicar, mal, tudo aquilo que os escritores já disseram bem melhor do que nós. Os psicanalistas também trabalham com seu inconsciente, mas quem cria é o paciente. Já a leitura psicanalítica de qualquer obra artística, na melhor das hipóteses, é um ensaio sobre a relação daquela pessoa, que é um psicanalista, com aquele livro, filme, quadro, peça, programa de televisão, o que for. A elaboração teórica tem que partir daquilo que nos tocou, só assim encontraremos algo para dizer a respeito. Nesse sentido, guarda algum parentesco com o próprio ato da criação, porque a escolha do tema e da obra acaba sendo sintomática, deixando espaço para a determinação inconsciente. Depois disso, bem, o psicanalista falará daquilo em sua linguagem, com seus instrumentos, como faria um historiador, um antropólogo, um crítico de arte com os seus.
4 – Quando você lê um texto produzido para criança ou para adolescente o que você quer encontrar?
Um exercício literário que seja, de verdade, a expressão artística daquilo que o autor não consegue deixar de dizer. Jamais uma intenção pedagógica. Quando se quer ensinar algo, faça-se um pequeno ensaio, que pode ser colocado em termos bem simpáticos e até lúdicos, mas é texto paradidático. Literatura é compulsão, mesmo quando se escreve para crianças.
5. Em que medida a literatura fantástica apela ao coração dos leitores menores (e também maiores)?
A literatura fantástica está mais próxima do sonho do que uma produção mais realista ou dramática. Ela será tanto melhor quanto for fiel à linguagem onírica. Alice no País das Maravilhas é uma prova que mesmo uma obra que preserve a estrutura maluca dos sonhos mais sem pé nem cabeça pode tocar sucessivas gerações de leitores se for bem feita.
6 – Que dica de leitura você daria aos confrades da Reinações?
Jorge Luis Borges, um leitor fantástico. Pela sua possibilidade de fazer da condição de leitor um personagem.