Éramos extraterrestres
Sobre o filme ET de Spielberg
A reestréia do “ET” de Spielberg vem para despertar em novos públicos o que para muitos foi inesquecível. Sempre é bom lembrar que não estamos sós no universo, mas o ponto alto deste filme é sua abordagem da infância. Spielberg foi genial ao colocar o menino e o extraterrestre como se fossem almas gêmeas.
O filme é sobre separações: entre os pais do menino, entre o alienígena e sua nave, entre adultos e crianças. Esta última é a mais importante. Há um abismo de incompreensão e incomunicabilidade entre a infância e a condição adulta . ET habita o quarto das crianças e circula pela casa nas horas em que elas estão sós, ele encontra nelas alguém que ainda sabe o que é viver num mundo que dá medo e que se decodifica com dificuldade. Assim como elas, logo descobre que quando os adultos chegam para ajudar, entram como elefantes na cristaleira. Os adultos da história lembram os dos desenhos de Charlie Brown, pernas que emitem um ruído incompreensível.
Quando crescemos um véu de esquecimento recobre a infância. Mesmo que se converse com as crianças, estaremos estendendo pontes, mas não eliminando a ruptura. Perceber as crianças leva a se conectar com sentimentos insuportáveis, como a dependência amorosa, a ingenuidade e o desamparo.
Criança entende tudo ao pé da letra, na impossibilidade de decodificar o mundo, faz suas hipóteses, muitas vezes mágicas ou absurdas. Como o caso daquele menino que acreditava que todas as receitas continham como ingredientes colheradas de sopa e xícaras de chá e pensava que estes eram verdadeiros coringas da cozinha. Nascemos estrangeiros a um universo de referências, que só ganhará lógica completa quando a adolescência revelar os segredos do sexo, até lá entendemos tudo pela metade. Só vendo uma criança acordar aterrorizada de um pesadelo para saber perceber seu desamparo e o quanto um abraço muda tudo.
Tudo isto é queimado como os navios no porto quando crescemos, mas alguns saem da infância trazendo um nó no lenço, desses que se usa para evitar esquecer alguma coisa. Ás vezes a gente fica olhando o nó, tentando descobrir o que deveríamos recordar. Spielberg tanto olhou que lembrou que ser criança é estar só e confuso, como o estrangeiro mais radical, o extraterrestre. Esta é uma lembrança que sempre merece ser relançada, com ou sem retoques digitais.