Errata

Errei, e agora? Melhor descobrir o que isso significa!

Sabe aquele sentimento terrível, quando percebemos ter feito uma bobagem? Pode ser um comentário infeliz, um mail bomba, o esquecimento de uma data, a perda de um prazo, enfim, todas aquelas situações em que que só percebemos o erro após dito, feito, depois de enviar. Após o gesto ter se tornado irremediável, só resta ao infeliz a certeza de que sua reputação acaba de cair na lama e o chão se abre sob os pés.

Pois foi exatamente o que me ocorreu quando, ao receber a edição da Vida Simples de novembro, constatei que havia trocado o nome do autor da citação que coloquei na frase final da coluna. As palavras eram de Valter Hugo Mãe, mas as atribuí a Mia Couto, ambos escritores que adoro. Poderia ter sido um verdadeiro engano, pois minha memória não é boa para citar nomes de autores, atores, filmes e livros. Nesse sentido já nasci idosa, falo por evocações: “sabe aquele ator, aquele moreno bonitão que fez vários filmes do diretor espanhol cujo nome tampouco me vem à mente?”.

Porém, neste caso, tenho certeza de que o erro não foi fruto de uma imprecisão da memória. Foi um lapso, que é um truque da atenção através do qual uma mensagem do inconsciente é contrabandeada. Freud citou vários exemplos de lapsos em Psicopatologia da Vida Cotidiana, como o de um sujeito que, ao abrir uma sessão solene, que prevê será tediosa, inútil e interminável, denuncia seu sentimento dizendo: – “declaro encerrada esta sessão”.

No meu caso, a chave do lapso estava nas palavras “Mãe” e “Mia”. Tenho uma mãe muito eloquente, cheia de histórias. Muitas delas, assim como expressões que ela usa, tornaram-se inspiração para meus textos. Considero-a uma fonte inesgotável de narrativas, embora ela diga que distorço tudo, invento palavras como se fossem dela. Cacoete de cronista. A palavra “mia” em minha língua mãe (para ser redundante), o espanhol, quer dizer “minha”. Portanto, através dessa troca de autores, transformei uma afirmação de alguém chamado Mãe em minha. Essa é a apropriação das palavras da minha mãe que costumo fazer.

Ser filho é herdar um acervo de histórias e com elas tecer nossa identidade. Na prática consiste em transformar histórias que são da mãe, do pai ou dos avós em próprias. Usar uma citação e atribuir-lhe erroneamente a autoria é o mesmo: uma desapropriação das palavras do verdadeiro dono, um plágio disfarçado.

Incorporamos à nossa identidade traços que nos interessam, embora também herdemos algumas sinas que repetimos sem querer. De qualquer modo, convêm observar que tendemos a escolher para usar como nosso aquilo que admiramos. Nesse sentido, imploro que Valter Hugo Mãe considere minha falta como uma homenagem sincera. Apesar de que o chão insista em continuar abrindo-se sob meus pés.

Um Comentário
  1. Ana Rita permalink

    Adorei!

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