Escutando os fogos
Abaixo a euforia imposta no grito nas festas do fim do ano!
Sou filha e neta única. Minha família de origem é minúscula, talvez por isso tenha desenvolvido a vocação para transformar amigos em parentes. Meus melhores amigos são como irmãos ou cunhados, seus filhos são meus sobrinhos. Entre os parentes, cultivo alguns laços que transcendem as obrigações familiares, tenho prazer em vê-los.
Lembro que meus pais tinham sobre a estante da sala uma caneca com a seguinte inscrição: o acaso faz os parentes, a escolha os amigos. Leitora recente quando encontrei a frase, ela nunca deixou de ecoar. Pouco valorizamos a força das primeiras palavras que decodificamos por conta própria, saboreadas com paladar virgem. A leitura das primeiras frases, então, impõe verdadeiras jornadas filosóficas aos iniciantes.
A frase da caneca, enigma que morava na estante, tomei-a como promessa. Era como se me fosse dito: não importava ter tão poucos parentes, melhores são os amigos que a gente escolhe. Apesar desse consolo, meu marido me presenteou com uma grande família, que faz festas natalinas com tudo a que se tem direito, nas quais esta judia que vos fala passou a ser incluída. Ele brinca que dei o “golpe da árvore de Natal”, ou seja, que o escolhi só para poder montar uma. Ele está enganado, eu também tinha interesse nos ovos de páscoa e nos parentes-amigos com quem festejar. Somadas as tradições de ambos, temos um calendário atribulado.
Quando pequena passava as festas de fim de ano somente em companhia de minha avó. Meus pais ficavam no Brasil trabalhando e eu veraneava na praia uruguaia onde ela vivia. Após o jantar sentávamos no pátio e nas noites festivas também ficávamos ali, em silêncio, escutando e assistindo os fogos. Era melancólico, mas é uma lembrança pacífica e aconchegante.
Nos anos seguintes, adolescência em diante, experimentei do que se considera devido no Natal e Ano Novo, todas as modalidades: entre amigos, com familião, romanticamente em casal. No fim, descobri que qualquer estilo pode ser bom, nem que seja uma avó e uma neta, caladas ao relento. Sentimo-nos em dívida com as imagens populares e publicitárias: muito vermelho e dourado, as ceias, crianças maravilhadas, a parentada bem vestida, música, amigos, sensualidade e a alegria dos brindes. Mas vamos e convenhamos, essas festas marcam o fim de um ciclo e concluir é sempre no mínimo complexo. São eventos que arrastam consigo algum balanço, e as contas da vida nunca fecham. As esperanças sempre ganham das realizações.
Festas, as que verdadeiramente ocorrem, em geral são meio melancólicas como aquelas da minha infância e isso não é necessariamente ruim. Só fica patético quando tentamos impor a euforia no grito. Queria mesmo poder contar à minha avó, que partiu há muito tempo, que sinto saudades. Depois de todas essas andanças, nossas noites de fogos e silêncio ainda ocupam um lugar de destaque em minha memória. Ela me ensinou que é preciso pouca parafernália para estar bem. Hoje isso não é um acaso, é uma escolha.
É bem assim. Perfeito, todo o texto cabe dentro de mim! Obrigada
Senti saudade dos Natais da infância: minha avó italiana fazendo doces brasileiros num fogão a lenha, o cheiro do pinheirinho natural (ainda não se falava em desmatamento…) enfeitado com neve de algodão e os meus sapatinhos novos, ao lado da árvore, aguardando os presentes que o Papai Noel só deixaria para quem tivesse sido “bonzinho”. O almoço festivo era no dia 25. Em Revéillon só ouvi falar depois de moça, apesar de me encantarem os fogos, a que também assistíamos em silêncio, no quintal da casa, cheirando a sereno. Doces lembranças…
Como sou leitora desses artistas das palavras, me sinto a vontade para dizer da emoção que estas palavras me provocaram. Foram muitas: silêncio ao ler, lágrimas ao escutar o eco em mim, tristezas, alegrias e muita vontade, muita mesmo para compartilhar ou como diz os adolescentes roubartilhar… Enfim, profundo, verdadeiro, confortante! Muito Obrigada!
Querida Diana, tuas palavras doces, inspiradas, sábias, cheias de poesia e de realidade são um bálsamo. Obrigada por compartilhares conosco tamanha riqueza interior. Boas festas e que em 2014 continues produzindo textos como este que fazem a vida mais leve de ser vivida. Beijo grande e afetuoso abraço em toda a família!
gracias querida e tudo de bom pra ti e pra tua família, em particular tua pippi longstocks!