Espelho, espelho meu
Sobre institutos de beleza
Quando criança adorava assistir à montagem daqueles cabelos improváveis da década de sessenta. Elas colocavam rolos e penetravam em secadores espaciais. Depois a cabeleireira transformava tudo numa grande massa caótica, para só então modelar e recobrir a maçaroca com uma fina camada de laquê, formando um capacete mole. A hora do laquê era o máximo, a mulher segurava uma espécie de máscara sobre o rosto que a protegia daquele vapor petrificante. Enquanto isso as manicures e suas cadeirinhas infantis rastejavam entre as mulheres, numa múltipla cerimônia de lava-pés. O mais legal mesmo eram os esmaltes, ainda me apaixono por todos aqueles vidrinhos. Mais tarde assisti a rituais diferentes e igualmente complexos, como as escovas, onde toda aquela musculação fabrica um cabelo “natural”.
Não gosto que mexam no meu cabelo. Ele é rebelde, os outros só o pioram. A minha cabeleireira pode somente cortar. Como tenho cabelos brancos desde os trinta, já passei muitos turnos da minha vida dentro de institutos para pintá-los de todas as cores imagináveis. A nesga maldita aparecia tão rapidamente que desisti! Assumi os grisalhos, mas graças a eles tenho horas de vôo suficientes para tirar brevê de freqüentadora de salão de beleza.
Vamos ao instituto para fazer os pés e as mãos, como se já não estivessem feitos, e quando tristes, pedimos ao profissional que faça algo, pelamordedeus… Em estado bruto nos sentimos um horror, descuidadas, incompletas. Natural que haja um pronto socorro de imagem a cada meia quadra, não importa o status do bairro.
Consultamos o espelho mais freqüentemente do que a bruxa da Branca de Neve, e, como ela, fazemos dele um oráculo para tentar saber como somos vistas. A integridade física e imagem corporal são aquisições frágeis. A pele informa ao cérebro se o corpo está protegido, se os estímulos que ele sofre são de prazer ou dor. Já a imagem tem seus sensores espalhados do lado de fora, instalados no olhar de todo aquele que interceptar nossa passagem pelo mundo. Continuamente estamos checamos se, como e quanto impressionamos os semelhantes.
Somos uma obra imperfeita, deteriorada pelo uso, em permanente estado de manutenção e reforma. Por isso são tão importantes os raros momentos de glória, em que todos os detalhes foram cuidados. Mesmo assim, inseguras, corremos para o banheiro retocar o irretocável. Sentimo-nos sempre como a Cinderela no meio do borralho, chorando por um banho de fada que nos faça a rainha da festa, o foco dos olhares. Mas se até ela teve que entregar o vestido à meia noite, imagina nós.
No instituto reencontramos os cuidados maternos primários, alguém nos deixa asseados e arrumados, mas não é só. Ali parecem estar os mestres do olhar, aqueles que saberiam como deixar nossa aparência desejável. Pena que o feitiço seja breve e as fadas tão caras.