Esperando o clone

Sobre clonagem de humanos

Um médico anuncia que está por vir o primeiro clone humano e o mundo reage como se viesse o anticristo. Os jornais estampam as posições alarmadas do Papa, de Bush e a comunidade científica é chamada a explicar-se. Já o clone demorará um pouco mais e nascerá, coitado, todo errado. Mas por que ele nos assusta?

Seu parente mais próximo é Frankenstein, personagem literário, hoje já um mito sobre o filho-monstro da ciência, nascido para driblar a morte. Morrer é nossa falha capital,mas tampouco perdoamos faltas menores, gostaríamos de ser imortais e perfeitos. Os filhos carregam esta missão, a de transcender e superar os pais, ou seja durar mais que eles e chegar mais longe. Por  que não nos contentamos com a paternidade natural?

A primeira é que ter filhos é saber-se limitado. Gerar é a dois. Não é o orgasmo que fecunda, mas é o que melhor traduz a perda de si que o sexo ameaça ou pressupõe. Todo filho sabe ser resultado do fato de que seus pais se entregaram um ao outro. Pode se ter filhos sem o convívio com o genitor mas este restará sempre como um fantasma. A segunda razão é que para ser superado por um filho é necessário morrer e reconhecer alguns fracassos. O clone não nos livra da morte, não passa da ilusão de uma segunda chance, pois seriamos como ele mas não estaríamos nele. Quanto a esperar dele que nos supere, equivale àquela fantasia na qual gostaríamos de ter o corpo dos 15 com a sabedoria dos 50, se funcionasse, os filhos adolescentes a realizariam para seus pais.

Um filho não se cria à semelhança dos pais, ele é um coletor, para constituir sua identidade recolhe elementos na família, mas os mais preciosos ele os encontra nos cantinhos escondidos. As escolhas amorosas e vocacionais obedecem a esta surpreendente variedade, pela qual constatamos que filho de peixe não necessariamente peixinho é. Com o clone não será diferente. Além do mais não precisamos de nenhuma pirotecnia científica para produzir  monstros capazes de qualquer horror em nome da perfeição, Hitler não era clonado, nenhum dos atuais senhores da guerra o é.

Conforme a tradição cristã, Deus fez um filho, fora da reprodução sexuada, à sua imagem e semelhança e ele não trouxe o fim da nossa civilização. Cristo enfrentou o sofrimento, a impotência para cumprir sua missão e por fim a morte. O clone, mais do que ser um ser onipotente, capaz de realizar nossos insondáveis desígnios, será um sofredor, o provável primeiro a descobrir que não somos psiquicamente clonáveis, pois o que é próprio do humano é ser feito de imprevistos.

14/04/02 |
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