Exma. Senhora Governadora:
Sobre mulheres no poder
O ano da sua eleição coincide com o de falecimento da feminista octogenária Betty Friedan. A célebre autora da Mística Feminina (1963), antes de ter sido militante da causa das mulheres, foi uma arguta intérprete da depressão das donas de casa americanas de seu tempo. Enquanto elas passeavam sua desesperança entre cosméticos, papéis de parede floridos, eletrodomésticos e crianças movidas à manteiga de amendoim, Friedan tentava responder a pergunta que não quer calar: o que elas querem afinal?
A resposta tentada por ela foi a de que até a mais simples dona de casa queria o mesmo que tantas mulheres revolucionárias que o mundo já viu: opinar, trabalhar, estudar e governar. Podemos também ser públicas, sem abrir mão da vida privada. Desejamos que nossa condição reprodutiva e erótica não se torne uma prisão, um demérito.
Embora não tenha sido sua eleitora, venho por meio desta rememorar uma expectativa de Betty Friedan, uma esperança nas mulheres, que nem sempre se justifica, mas é a última que morre: que no poder elas levariam à esfera pública a sabedoria adquirida no âmbito privado. Com a tradição da experiência de gerações que viveram nos bastidores, ocupando-se dos que crescem, adoecem e envelhecem, elas teriam maiores condições de ser sensíveis aos mais fracos. Esperava das suas pares que, mesmo quando incumbidas das macroestruturas, não esquecessem daqueles que não possuem poder, dinheiro e muitas vezes sequer condições de voto, como os portadores de necessidades especiais, as crianças e os idosos. O investimento em educação, saúde e no equilíbrio ambiental seriam, para elas, mais prioritários do que entre os políticos homens. Essa tendência a ser altruístas e pacíficas certamente não se aplica à também americana Condoleezza Rice, nem à dama de ferro inglesa Thatcher.
Não creio que exista uma natureza feminina intrínseca. Assim como não existe literatura feminina, tampouco haverá uma forma natural de fazer política entre as mulheres. Porém, é inegável que os imperativos do corpo e os revezes de ser mulher em certa época oportunizam aprendizados, motivos de orgulho e até mesmo mágoas.
O empenho de sucessivas gerações de feministas se traduziu nas bem sucedidas campanhas pelo sufrágio feminino, pelo direito à contracepção e à igualdade jurídica. Com o tempo esperamos também solução para as ainda pendentes questões da igualdade no trabalho, da legalização do aborto e de tantas outras justas reivindicações femininas. Sua eleição deve muito a esse processo, pois antes seria impensável a figura de uma governadora, ainda mais neste estado de maragatos e chimangos. Suas contemporâneas Michelle Bachelet, no Chile, Angela Merkel na Alemanha, e a democrata Nancy Pelosi, primeira presidente mulher da Câmara nos EUA, confirmam que é época de poderosas. Podemos governar estabelecendo uma dissociação entre a personagem política e as marcas da experiência de ter nascido fêmeas. Mas talvez seja possível tentar atender em algum aspecto ao sonho de Betty Friedan, de que façamos alguma diferença. Veremos. Boa Sorte!