Família margarina
Sobre as expectativas frustradas de confraternizações familiares natalinas
Existe uma solução simples para problemas complicados: assista propagandas. Quer saber do que os homens gostam? Consulte comercias de cerveja. Cigarros informam como andam os solteiros bem sucedidos, sabões em pó lembram a dona de casa que ainda habita em cada mulher e boa parte das propagandas ensina às mulheres como parecer para ser desejada. Já as propagandas de margarina deram forma à família ideal.
Família feliz é aquela que amanhece sem mau-humor, toma café junta e até a pressa é tomada com leveza. Deve ter pais jovens, filhos (dois, um casal) e cachorro. A família-margarina e sua rotina em pouco ou nada se assemelham à nossa.
O natal é também época de exaltação da família ideal, em alguns países inclusive consta no calendário como “festa da família”. A cena abandona o desjejum e os parentes se reúnem em torno da árvore. O cenário e o figurino já serviriam para lembrar a maioria que seu bolso não condiz com a cena, mas o maior papelão é feito pelos personagens da vida real.
Não importa como você tenha comemorado sua “festa da família”, seja entre parentes ou amigos, você fracassou. Se sua festa é chique, provavelmente nela falte espontaneidade. Se sua festa é simples, você é um remediado. Se você formou família, algum mal-entendido ou uma névoa de tédio terá maculado a perfeição do momento. Se você não casou e teve filhinhos, sente vergonha.
Antes que um suicídio coletivo mostre que é insuportável fazer o balanço de fim de ano após a ressaca familiar do natal, é bom lembrar que os ideais estão aí para dar forma ao impossível. Não há família perfeita, já que um filho se constrói a partir da inexatidão dos pais. No casamento, os parceiros só continuam adiante em nome da interminável tarefa de tornar o outro semelhante à fantasia com que se casaram. Para finalizar, convívio tranqüilo entre gerações é difícil, porque os jovens precisam matar aos poucos os mais velhos para poder crescer.
Assim como o natal, a festa de ano novo é de mau prognóstico, certamente não será como esperado. Por melhor que tenhas feito, deixarás a desejar no balanço do dia 31. Partindo desse pressuposto, pega leve, tente perdoar a vida por ela ser tão diferente dos comerciais e feliz ano novo.
Adorei, isto e mundo real.