Famílias na traseira dos carros
Sobre a família contemporânea
Divirto-me no trânsito imaginando como poderiam ficar as famílias de bonequinhos, desses adesivos colocados na traseira dos carros, caso representassem a pluralidade da realidade. Em cada veículo elas são montadas conforme o caso: são colados bonequinhos para os pais, para os filhos, conforme o sexo e idade, além dos animais de estimação. Na minha infância o enfeite de carro mais comum era um imã para fixar no painel (sim ele não era de plástico) no qual uma fotinho do filho era colocada ao lado da frase “não corra papai!”. Não que fosse possível correr muito na época. Os atuais adesivos que representam a família que utiliza o veículo também tentam lembrar as vidas que devem ser preservadas neste trânsito selvagem. Esses bonequinhos tentam humanizar a lata que conduzimos.
Na realidade, frequentemente os pais têm mais de um casamento, os filhos podem ser de um ou outro ou de ambos, há os meio-irmãos, assim como os que compartilham a casa sem terem nenhum dos pais em comum. Além disso, as separações às vezes produzem o distanciamento de um dos pais, sendo que avós, tios, padrinhos e amigos atuam na suplência. Também acontece que as funções materna e paterna sejam também desempenhadas pelo atual namorado ou namorada de um dos pais.
Explicaram-me que há modos de tentar representar isso tudo: os filhos em comum ficam no meio do casal e os de um ou outro são colocados do lado de fora, ao lado do pai ou da mãe a quem pertencem. Já os animais sempre ficam nas laterais, depois dos enteados, suponho. Quanto aos avós, tios, padrinhos e namorados dos pais, não há lugar para eles, são eminências pardas das novas famílias. Também casais gays com filhos deveriam ter coragem de colocar seus adesivos, assim como os solteiros e separados que criam filhos sozinhos.
O fato é que os adesivos pouco representam a realidade, já que tentam padronizar o que já fugiu ao clichê papai-mamãe-filhinhos-cachorro-papagaio. Porém não estão errados em um aspecto: a família mudou, ampliou-se o que compreendemos por ela, mas ela continua teimando em ser uma família, composta por todos aqueles que se empenharem em pertencer a ela. Digamos que a família vai sofrendo mutações, para se adaptar aos novos tempos. Hoje, a inquietude do coração dos pais impõe revoluções aos filhos, parentes e amigos do casal. Por isso, mesmo que seu Natal tenha reunido um grupo que não cabe na traseira de um carro, fique tranqüilo, a família contemporânea não é mais aquela. Mas, a seu modo, segue existindo para tentar aquecer os corações de seus membros.