Fazes-me falta
Sobre o livro de Inês Pedrosa
O amor e a amizade são territórios de fronteiras sutis. As amizades juvenis são a primeira forma (em geral homossexual) de amar, amizades são amores que não vão para a cama, paixões são relações que se recusam a ser amistosas. Escrito pela portuguesa Inês Pedrosa, “Fazes-me falta” (Ed. Planeta 2003), é um atípico romance sobre o quanto de amor há na amizade e vice-versa. O livro é o discurso paralelo de dois amigos que vão alternadamente falando sobre sua relação, com o detalhe que ela está morta e ele não consegue esquecê-la. Embora se amassem, optaram pela amizade, pela abstinência do sexo. Diz ela: “Acreditei que na amizade encontraria o sabor mítico da correspondência absoluta, a felicidade sincrônica com que o amor apenas brinca.” E ele: “Nós não podíamos prescindir um do outro. Não podíamos entrar no infinito jogo do corpo.”
Alguns são amantes da paixão e não de um amado específico, são obcecados pela plenitude que esta oferece. Outros fogem dela como o diabo da cruz, são mestres da trincheira, não prescindem da distância que lhes garante intacta a individualidade. Os casais se montam a partir da negociação das possibilidades e necessidades de entrega de cada um. Mas a amizade se constrói de limites, não se recomenda negócios nem sexo entre amigos, os amigos devem se manter na platéia uns dos outros.
Os nossos personagens quiseram o melhor dos dois mundos, pretenderam encontrar uma forma infalível de se amar através da amizade. Fizeram tudo isso para descobrir o quanto se abstiveram em vão. “Mas também a amizade se mostrou vulnerável ao tédio e à decepção. Tudo o que tocamos se desfaz.”, diz ela. Esta amizade abrigou a maior das ilusões românticas, a de nunca ser abandonado. São as perdas que nos ensinam a amar, se nunca tivéssemos sido preteridos no amor de nossa mãe estaríamos até hoje dependurados em seus seios, ébrios de satisfação. Caímos na vida em busca de amores e aventuras, porque sentimos falta, para sanar uma carência insolúvel. Foi preciso o cheque-mate da morte para que nossos protagonistas confessassem o quanto sentiam falta um do outro. Em vida passavam de gato e rato, tiveram que admitir esse amor num monólogo, que através do leitor se torna diálogo. Inês Pedrosa escreveu um tratado sobre o desencontro, sobre a solidão que o amor e a amizade aplacam, mas não curam. Afinal, “não se consegue amar completamente senão na memória”. Todo amado real terá apenas pálida semelhança com tudo o que esperamos dele.