Feiúras
Sobre o livro A vida sexual da mulher feia, de Claudia Tajes
Vocês conhecem a Jú? Trata-se duma mulher feia, criada pela escritora Claudia Tajes, em seu livro “A vida sexual da mulher feia” (Agir, 2005). Jú, Jucianara, porque nem o nome possui encanto, é devotada ao amor e à comida, mas nem um nem outro saboreia, ambos são devorados e a devoram. Jú não é feia porque é gorda, mas porque é escroncha, além disso é ácida em suas observações e demolidora na autocrítica.
Jú não é bonita nem aos olhos da própria mãe. Passa a vida sobrevivendo de migalhas de sexo e amizade, mas não é infeliz. Claudia não escreve uma história onde o sofrimento transcende, revela, purifica, nem é um folhetim de superação. Jucianara não se revela um gênio, não passa por um Extreme Makeover, nem é resgatada no lombo do cavalo branco para nenhum castelo, mas, repito, nem por isso é infeliz.
Como estamos saindo da temporada de festejos amorosos (dia dos namorados e maio, o mês das noivas), nossos sentidos foram entupidos da crença que o amor é lindo, que em seu nome somos capazes de produzir a beleza e a força de vontade necessárias para vencer na vida, o que até pode acontecer, mas nem sempre.
Muitas vezes, engolimos a vida com mais voracidade que qualidade e ela faz o mesmo conosco. Seguindo as metáforas alimentares que seriam do gosto da nossa personagem, costumamos viver mais como americanos engolindo seus burgers gordurosos, do que como franceses deleitando-se com pratos que tem mais decoração do que substância. Veja bem, não penso que as francesas são felizes porque são magras, pois se bem é verdade que no “sexo-burger” o encontro se consuma rápido e sem graça, no prato enfeitado, na cama coberta de pétalas de rosas, há um cenário suntuoso que nem sempre corresponde aos resultados. Cada jeito, de comer e viver, tem seus gozos e insatisfações. Um se deleita com o atrolho estuporante, outro com a ponta de fome que sempre resta.
A Jú não é infeliz graças a um recurso: seu humor, que é o humor de Claudia. Eis a fonte da leveza, mesmo para um peso pesado como Jucianara. Se nos apontam o romantismo como a grande solução, talvez seja a hora de lembrar dos tantos de nós que não fazem nado sincronizado com outro humano, mas nem por isso se afogam. Um olhar divertido, jocoso, sobre o desencanto talvez seja mais interessante do que a vã esperança das soluções românticas.
Somos mais trash e mais feios do que gostaríamos, menos espertos do que seria necessário, muito menos equilibrados do que seria recomendável. Neste caso, a palavra “feia” traduz a distância universal entre o ideal e a realidade. Há algo no humano de irredutivelmente falho, que encontra às vezes nessa palavra sua melhor tradução. Ainda bem que fica melhor, ou menos pior, se tivermos recursos mentais para olhar sobre isso com alguma crítica, pensar e, quem sabe, até rir um pouco. Mulheres como Claudia estão demolindo com muita graça o pior dos grilhões femininos: a ilusão romântica. Não quer dizer que vamos todas virar gordas, toscas e mal amadas, apenas que estamos aprendendo a ser menos bobas. Mesmo no mês das noivas, até no dia dos namorados.