Fézinha
Pequenas superstições, parecem absurdas, mas são reveladoras.
Viver é perigoso e mesmo depois de crescidos ainda nos sentimos desamparados frente às arbitrariedades do destino. Por isso, restos de um pensamento mágico infantil ajudam a recuperar um poder que sempre nos escapa: o de prever catástrofes para melhor evitá-las. De natureza atéia e incrédula, não conto com uma idéia qualquer de conectar-se com algo maior. Posso até tomar milhares de cuidados, mas não me iludo: há um forte elemento de imprevisibilidade, a morte e o sofrimento podem simplesmente aparecer quando bem entenderem. Tomada nessa ideia, e sem perceber, criei para mim uma brincadeira, um pequeno oráculo portátil, que me ajuda a diminuir a sensação de impotência. Acredite se quiser: são os sachês de adoçante.
Uso uma marca de adoçante em pó que vem em doses individuais, em lindos envelopes coloridos. O ritual é o seguinte: no café da manhã devo pegar um envelope na caixinha sem olhar (a fé é cega) e sua cor é prognóstico do dia que me espera. Há cinco cores: roxo, azul, verde, amarelo e cinza. Sem pensar fui montando um sistema no qual tendo ao bom prognóstico: os envelopes roxos significam um dia “excelente”, todos meus desejos serão viabilizados, não seremos vítima de acidente ou violência, nem uma doença se revelará ou matará qualquer pessoa da minha família. Já os azuis e verdes, nessa ordem, são dias respectivamente “muito bom” e “bom”. O amarelo significa um prognóstico “regular” e somente o cinza revela necessidade de cautela, perigo no ar, frustrações ou tristeza à vista. Como se pode observar, em cinco possibilidades só uma é ruim. De posse desse pequeno prognóstico, junto mais coragem matutina para enfrentar a assustadora jornada diária.
Embora não fosse consciente, sei que a brincadeira não é sem sentido: pertenço a uma família de diabéticos, meu querido avô morreu antes de ficar velho, recusando-se a qualquer abstinência alimentar. Para mim o açúcar era um grande vilão. Sem perceber, associei minha brincadeira mágica a uma providência: substituir o açúcar por adoçante. Não se tratava de uma aposta cega na sorte! Talvez no fundo ela não exista. Toda fé, superstição ou crença inclui seus ritos. Reverenciam-se homens santos, reza-se, fazem-se oferendas, pensamentos positivos, rituais. Sempre é uma revolta ativa contra a passividade à qual a morte nos condena. Ela vem quando quer, mas não morremos sem lutar. Inconscientemente, elegi o açúcar como um vilão que podia enfrentar. Graças a isso pude desenvolver esse otimismo infundado, onde de cinco possibilidades, tenho quatro bons prognósticos. Quem dera a vida fosse assim, passível de controle! Ainda bem que algo da magia da infância sobrevive para que possamos brincar de esperança, nem que se tenha que recorrer a pequenos truques! (revista Vida Simples, edição de setembro 2011)