Filhos marcianos
A dura vida dos estrangeiros digitais
Quem decide formar família numa terra estrangeira estará fadado a considerar seus filhos como traidores. Isso pode acontecer em famílias de diferente nacionalidade, mas também entre pais do interior e filhos urbanos, pais religiosos fundamentalistas com filhos ateus. Os descendentes serão vistos como traidores porque buscam formas de adaptar-se, comunicar-se na escola, no trabalho, fazer amigos. No cotidiano com aqueles que não pensam, falam, nem agem como seus pais, acabam transformando-se. Falarão a língua local sem sotaque e com a gíria do seu grupo, desenvolverão outro paladar, novas crenças. Serão, portanto, estrangeiros frente à própria família de estrangeiros.
No momento há uma terra estrangeira para a qual todos os adultos estão sendo obrigados a emigrar. Ela não tem lugar físico, nem meios de transporte reais. Chega-se a ela mentalmente, através de dispositivos eletrônicos, como computadores, tablets, smartfones. É um território tão mutante que se este texto for lido dentro de um ano, talvez os aparelhinhos mencionados acima já sejam sucata eletrônica, mas certamente ela, a Internet, continuará sendo um recém descoberto Novo Mundo, um verdadeiro lugar.
Para os mais jovens, sites são, como diz o nome, lugares onde algo pode de fato estar. Contatos virtuais são reais, o que está na tela tem valor de papel impresso e não sentem-se desconfiados ou paranóicos em comunicar-se e fazer transações via a rede. Para nós, estrangeiros digitais, é um lugar ainda estranho: falamos com sotaque, ficamos com cãibra nos polegares e cometemos gafes, ignorantes que somos da cultura reinante que inclui uma nova etiqueta.
Esta última envolve regras de educação que ainda estão em fase de construção. Ainda precisamos estabelecer os limites entre o público e o privado, as condições possíveis para o anonimato e a necessidade crescente de separar em diferentes esferas a massa de “amigos”. Por hora nos custa diferenciar o que se pode conversar com parentes, amores, confidentes, colegas, alunos ou clientes. Como território novo, é ainda bastante selvagem, talvez por isso nele estejam acontecendo tantos episódios de violência sexual, racial, de intolerância ou mera brutalidade verbal.
Sempre brincávamos que, com o fim do mundo, íamos acabar vivendo em Marte, o que não nos ocorreu é que criaríamos aqui mesmo um novo planeta, de colonização recente, para o qual se mudaram todos os membros mais novos da Terra. Os pais terráqueos estão nesse processo de emigração involuntária. Para torná-la possível, seria bom que parássemos de fazer uma oposição alarmista, vendo perigo e devassidão em todos os cantos da rede. Principalmente, precisamos parar de considerar traidores aqueles que abandonaram o mundo analógico em extinção onde seus antepassados nasceram.
Muito bom Diana. Lembrei-me de um artigo que escrevi sobre a estrangeriedade do filho surdo que usa língua de sinais em relação a seus pais. Também concordo com a necessidade de não olhar a internete como um perigo que atinge as crianças e os adolescentes. Bjsss