Finados mas não findos

Sobre a morte

O enterro que mais nos preocupa é o nosso. Quem não fantasiou estar presente à cena de seu próprio velório para observar as homenagens de que seriamos objeto? Muitas vezes quando tristes imaginamos nossa morte como forma de suprema vingança, pois é aí que eles (os que não souberam nos amar) sentiriam nossa falta. De qualquer maneira depreende-se daí que não supomos a morte sem lhe atribuir um beijo de adeus, tão importante que por ele chegamos a imaginar morrer.

Convém lembrar a lista das realizações que dizem fazer nossa despedida menos dolorosa: precisaríamos ter tido um filho, plantado uma árvore e escrito um livro. É difícil realizar esta lista, mas convém tentar entendê-la.

Uma vez li num túmulo: “Tua eternidade está nos que ficam e nos que virão”, e é verdadeiro, porque ao partir deixamos uma história para alguém. Podemos deixá-la sob a forma de escritos ou de inscritos. Inscrevemos nos que amamos uma memória de sons, toques, cheiros e sabores, que para além da infância se carregam e é o que se passa adiante, quer seja entre filhos, amantes ou amigos.

Há aqueles que são escritores cujas histórias tornaram-se maiores que suas existências. Juan Rulfo e Érico Veríssimo foram homenageados com uma festa de finados à mexicana, onde suas personalidades foram festivamente evocadas. Os mexicanos compartilham com as almas de seus mortos homenageados a música, a comida e os objetos que eles mais gostavam. Parece um contraponto sábio à nossa forma melancólica de lidar com a morte.

Aquele que deixou muito atrás de si, bem que gostaria de comparecer à sua própria festa de adeus, pois sabe que nunca terminará de partir. Já  a nós, mortais, os seres humanos que não deixamos memórias ao domínio público, resta-nos ler, fruir as histórias, deixar-nos embalar pela voz macia dos livros que levam a viagens que o corpo preguiçoso não empreende. Quais vovôs que contam histórias, os grandes escritores devem permanecer no firmamento da vida de cada um, lembrando que toda transcendência encontra nas palavras sua melhor tradução.

03/11/01 |
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