Floreando os pensamentos
Para que fazemos dramalhões ridículos
Sempre me considerei uma daltônica funcional. Entro em pânico quando necessito combinar cores e estampas. Ninguém avaliou o desgaste que significa produzir bons encontros cromáticos a cada manhã, com o cérebro ainda adormecido. Só o preto salva. Essa dificuldade também comparece quando compro móveis e tapetes.
Ao trocar as poltronas do meu consultório escolhi umas de tecido alegre quadriculado. Na minha sala já havia um divã vermelho, floreado, mas ignorei o provável excesso de referências e me apaixonei pela vivacidade do tecido. Depois veio o rebote. Móveis levam um tempo para serem entregues, durante o qual quadriculados de cores berrantes e flores gigantes dançavam na minha mente, caçoando de mim.
Até que as poltronas chegaram: tinham uma estampa suave, e em nada conflitavam com o detalhe sutil das flores do divã. Meu mau gosto não seria, desta vez, denunciado. Agora quem ria de mim era a realidade, revelando a inutilidade de toda aquela ansiedade.
Apesar do vasto currículo da minha própria neurose, da faina de psicanalista com as caraminholas alheias, a capacidade de complicar que temos ainda me assombra. Os neuróticos sofrem de excesso de sentido, emprestam demasiada carga aos pensamentos. Em agoniados devaneios, revestem de caráter dramático e transcendental certas miudezas ou diálogos insignificantes. Não há banalidade da vida frente a tanta criatividade.
A salvação dos psicanalistas, e dos neuróticos, está na descoberta de que não há pensamentos inúteis, apenas deslocados ou disfarçados. Minha preocupação com esses móveis é nada mais do que expressão da face exibicionista que tenho, mas renego. Quero que achem meu consultório um charme, mas me escondo atrás de argumentos pragmáticos como os bons preços, a ergonomia necessária. São aspectos fundamentais de levar-se em conta, mas o desejo que me envergonha é de causar admiração, se possível até inveja. Por isso, flores e quadrados tornaram-se enormes, do tamanho da importância que gostaria que tivesse, e não tem, a mera troca de móveis de um recinto.
Na verdade ninguém se importa muito com o que vestimos, como ajeitamos nossa casa, as coisas que dizemos ou pensamos. Quando adultos, percebemo-nos irremediavelmente sós e desimportantes. Crianças pequenas sentem a forte presença dos seus adultos, que costumam evolver-se com tudo que lhes diz respeito. Depois que isso termina, só temos tanto protagonismo em nosso pensamento agoniado, onde tudo se amplifica. É triste ter um público tão distraído, tão exíguo. Para isso servem os pensamentos neuróticos, que floreiam e colorem a mediocridade. Graças e eles, no teatro imaginário onde exibimos a trama da nossa vida os ingressos estão sempre esgotados.
Seu texto merece releituras e reflexões. De qualquer sorte “de poeta e de louco e quiçá de psicólogo e psicanalista cada um tem um pouco”. Muitas vezes os detalhes podem fazer a diferença, mas a diferença está em a gente não se deixar levar por detalhes e aparências. Estas também são uma questão de ponto de vista, de ver a parte e não o todo.
Parabéns, belo texto. Obrigado. Neivo.