Fofoqueiros da aldeia global

Sobre os paparazzis, a modelo e as ridículas famas instantâneas

Veio por e-mail: a imagem é de um pacotinho de massa instantânea, onde se lê: “Miojo Cica, sabor galinha, e só esquentar na água e comer”. Para quem passou os últimos dias em Marte, a “piada” é a propósito da ampla divulgação de um vídeo da transa da modelo Daniela Cicarelli com seu namorado numa praia, captada por um paparazzi.

Uma legião de curiosos, sempre à caça de imagens sexuais reais, como crianças espiando na fechadura do quarto dos pais, difundiu o vídeo freneticamente. A tônica geral dos comentários era de galhofa agressiva.

Quando Marshall McLuhan teorizou que os meios de comunicação nos tornariam uma “Aldeia Global”, acertou na mosca, logo veio a internet para confirmar essa vocação do mundo para se interligar. Mas eu supunha, tolamente talvez, que a parte do “Global” fosse maior que a da “Aldeia”. Infelizmente, episódios como esse, mostram que é possível que um mundo altamente tecnológico e poliglota seja jeca como uma esquecida aldeia onde o diabo perdeu as botas.

Numa pequena cidade, num bairro, num gueto, num grupo, observamos a vida dos outros projetando neles nossas carências e ideais. A grama do outro é sempre mais verde, sua vida sexual parece mais empolgante, as outras mulheres são sempre mais interessantes aos olhos delas próprias, enquanto os homens em geral supõem que os seus pares sejam mais viris do que eles mesmos se consideram. Entre a massa geral dos “outros”, certos personagens são emblemáticos: os populares, ricos e bonitos.

Quando alguma história picante cai na boca do povo, ali se precipitam todas essas fantasias. Os machos precisam bancar os galos, rapidamente alinham-se no time do favorecido e tratam a mulher como prostituta, afinal, quem está disponível para um, deve estar para todos. Já as fêmeas invejosamente a julgam: condenam ou avaliam a atitude daquela saliente. É chato não ter nascido, nem de longe, com aqueles dotes físicos, só podemos supor que deve haver uma certa justiça na distribuição dos dons, se sobra beleza, deveria faltar cérebro. Condição de sua sobrevivência na mídia, Cicarelli alimenta as fantasias de uns e outras. A festa no interior da aldeia está garantida.

Eu esperava (e ainda espero) que a colocação da sociedade mundial em rede nos arejasse, alimentasse a tolerância, aliviasse o peso dos preconceitos. Mas a rede mais retrata do que cria, se bem pode ser fonte de inovações culturais, ela é também veículo para nossa pobreza de espírito provinciana.

É duro viver sem ter recebido o libreto do papel que nos cabe. Não basta ter nascido homem ou mulher, temos que interpretar individualmente o que isso significa, não basta trabalhar, temos que inovar, liderar, superar. Tantos impasses alimentam a nostalgia de uma aldeia imaginária, da vida vigiada, pautada pelo que os outros vão dizer. Talvez por isso nos comportamos como fofoqueiros de província. Viramos globais sem deixar de ser aldeia, nos conectamos com o mundo inteiro para melhor alastrar as fronteiras da nossa mesmice. Sábio esse Sr. McLuhan.

10/04/06 |
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