Fora da toca dos ursos
Ursos sobre os incluidos e excluidos sociais
O natal é uma festa de família. É por isso que ainda conservamos o imaginário europeu da neve caindo lá fora, enquanto as famílias e amigos confraternizam em torno do fogo, como ursos hibernando na sua toca, mesmo com os habituais 30 graus lá fora. O importante é o contraste entre o frio externo e o calor interno, onde um valoriza o outro.
O mesmo ocorre quando uma mãe valoriza o alimento que oferece para seu filho, lembrando-o que há crianças lá fora que passam fome. Ou quando famílias frisam a importância de que seus membros mais jovens se dediquem aos estudos, mencionando o fato de que estão recebendo oportunidades de formação que a maioria não têm.
Simbolicamente, a condição gélida e selvagem do mundo lá fora, onde não há casa aconchegante, alimento nem educação torna mais atraente a realidade dos que têm, por mais que os parentes se odeiem, presenteiem por obrigação ou fiquem inconvenientes quando bebem. De certa forma, os excluídos formam o círculo que dá forma aos incluídos.
Dias atrás, um bando de gente sem lei nem coração incinerou cinco pessoas num ônibus. Semana passada descobre-se entre os responsáveis pela barbárie uma menina de 13 anos. Trata-se de uma figura social comum: órfã, nunca teve documentos nem escola, analfabeta, acabou adotada por traficantes para quem executava pequenas tarefas. Sua última missão antes da prisão: o ataque ao ônibus.
Ponderamos que se ela estivesse dentro da toca quente, com direito a família e educação não estaria na cena do crime. Certo, mas os mauricinhos brasilienses que queimaram um índio há uns anos possuíam tudo isso… De fato, não há garantias e distorções acontecem mesmo quando se tenta controlar todas as variáveis. Porém a margem de erro é menor quando o contexto ajuda: é mais difícil fabricar um perverso quando a sociedade não se comporta como tal. Mas tampouco isso é garantia de nada. Se a família e a educação não garantem a civilidade, a falta disso é a barbárie certa.
Porém, enquanto se aprofundar o abismo social, fazendo de uns a neve que torna mais quente a toca dos outros, estaremos mais sujeitos a fazer da exclusão também um fato psicológico. Não é possível achar natural que alguém entre em casa carregando suas compras enquanto outro ser humano remexe no seu lixo em busca da sobrevivência. A garota era filha da boca de fumo, os mauricinhos de Brasília filhos da corrupção endêmica do país e a miséria é filha da nossa tolerância à exclusão.
Neste natal, quando você for brindar na sua toca, pense em prometer para o Papai Noel que no ano que entra não vai abrir mão da responsabilidade, da política, do trabalho voluntário, que não vai abandonar o seu mundo aos corruptos, aos traficantes, pois se você não adotar essas meninas e meninos eles o farão. Desistir equivale a elegê-los para gerenciar nossa vida, decerto porque de alguma forma isso convém… O maior dos pecados do governo atual foi desgastar a esperança de fazer desse país um lugar melhor. Mas não se deixe contaminar, alie-se aos teimosos.