Foto de comida

Por que colocar foto de suas refeições nas redes sociais?

Minha avó gostava de domar uma carne por horas. Provava tantas vezes aquele molho de aparência ferrosa, que quando chegava à mesa declarava haver gastado a fome. Sentava-se à cabeceira, distraída das conversas que não abordassem suas delícias. Elogiar era bom, mas não repetir era ofensa. Materialista, ela acreditava em fatos mastigados. Ficava em silêncio, os polegares girando um em torno do outro, expressão da ansiedade que animava seu desejo de ser uma cozinheira apreciada.

Quando vejo tanta gente postando foto de comida nas redes sociais lembro dela. Não gosto de ver fotos do que os outros estão comendo. É rabugice injustificável, pois também divulgo coisas irritantes. Mas vou tentar explicar meu preconceito. Em primeiro lugar, meu apetite responde a comandos olfativos, a imagem de um prato não mobiliza a gula. Aliás, é sempre o retrato do prato ainda intacto, anúncio de um prazer que teremos, mesmo porque depois ele se transforma em louça suja. Já para a velha senhora, assistir o esvaziamento dos pratos era uma homenagem. Da comida, portanto, esperava algo bem diferente do que o gosto de consumi-la.

Talvez esse chamado a testemunhar a refeição alheia seja sinal da imensa solidão em que vivemos, principalmente no que diz respeito à grande família: há menos mães, tias ou mesmo pais que cozinham, são poucas as mesas coletivas familiares como a que tanto divertia minha avó.

Quando se prepara um prato, é uma forma de dar para receber: oferece-se um prazer ao outro para ser amado e admirado. De certa forma, aquele que cozinha vê-se aceito da forma mais primitiva, incorporado ao corpo do que se alimenta. Não há nada que faça uma mãe mais feliz do que ver seu bebê rapar o prato. Nessa época da vida os fantasmas da obesidade não assombram e tudo o que ela quer é seu filho crescendo graças aos seus auspícios. Para o filho, comer com gula é uma forma de lhe dar prazer. Cansei de repetir mais do que aguentava para fazer dona Irene feliz. Quem compartilha seus prazeres à mesa nas redes também está buscando um tipo de mãe que se alegre com eles.

A mesa familiar era o mais tradicional lugar de encontro. Era frente aos pratos que os lugares de cada um naquele grupo se demonstravam, se negociavam. Hoje essa é uma cena rara, em transformação. Nessa gigantesca mesa coletiva e disforme que é a rede social não sabemos mais qual é o lugar de ninguém, mas ainda precisamos muito de que alguém se importe com o que comemos. Minha avó faz falta para muita gente.

Um Comentário
  1. Sérgio Bärwinkel permalink

    Eu não gostava mas não sabia o porquê: falta o cheiro!

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