Freud implica

Implica sobre os 150 anos do nascimento de Freud

No princípio, a psicanálise parecia uma aventura de horror e exorcismo. Quando Freud era um aprendiz de feiticeiro, a histeria tinha ares de espetáculo e obscurantismo. Na França, o jovem médico austríaco observou como o Dr. Charcot era capaz de produzir ataques histéricos em seus pacientes com seu magnetismo pessoal. Na mesma temporada, viu que sugestão e hipnose tinham o poder debelar essas irrupções de patologia tão vistosas, com suas paralisias, ataques e visões. Eram os tempos de O Médico e o Monstro (R.L.Stevenson,1886). Já não ignorávamos que havia algo dentro da nossa alma que conspirava contra a moral e os bons costumes, mas parecia um conteúdo a ser eliminado.

A Freud coube livrar o inconsciente do caráter demoníaco, demonstrar que ele se alimentava das relações domésticas e que era tecido mais de intenções do que de fatos. Temos desejos e frustrações que o pensamento racional exclui, obrigando-os a comparecer ao baile disfarçados, de sonhos, de sintomas. O inconsciente também é terrorista, explode no cotidiano, constrangendo-nos através de atos falhos, esquecimentos, evocações estranhas, como quando cumprimentamos efusivamente a pessoa errada na rua e temos vontade de atirar-nos no primeiro bueiro.

Na seqüência, a psicanálise tornou-se um romance. De volta a Viena Freud empreendeu os caminhos da Talking Cure. A histeria era uma patologia tagarela, relatava sonhos, memórias. Freud foi o primeiro a escutar tudo isso e, no fundo, eram histórias de amor. Não eram romances bonitos, do tipo que ilustrava as fantasias femininas populares, mas tramas de amor inconfessáveis, tingidas de incesto.

Talvez nunca saibamos o que permitiu a Freud implicar-se, admitir que tudo isso fazia parte dele mesmo, prestar atenção em seus sonhos, lapsos e sofrimentos e escrever uma teoria baseada em aparentes absurdos: descobriu-se parricida e incestuoso como Édipo, impaciente e egoísta, assombrado pelo sexo e o medo da morte, desde pequeno. Como se fosse pouco, a técnica que desenvolvia revelava-se um tipo de história de amor, artificial, mas efetiva, entre o analista e seu paciente.

Visto assim, parece que Freud mais complica do que explica. Mas não sejamos injustos, de fato quem complica não é ele, somos nós. Somos uns chatos: especialistas em amores não correspondidos, ou às avessas; eficientes quando desnecessário e incompetentes quando é imprescindível; constantemente achando que deveríamos estar em outro lugar.

Dia 6, aniversariam 150 anos do nascimento do criador da psicanálise e não terminamos de aprender sua lição. Ainda teimamos em negar as evidências da influência do inconsciente em nossas vidas: se alguma coisa dá errada, preferimos acreditar que é um sintoma orgânico, uma síndrome qualquer, de preferência do último modelo à venda no mercado, e se sofremos, deve ser culpa de alguém alhures. A coragem de Freud, de implicar-se em cada volta do destino, de expor-se para melhor expor-nos, continua sendo necessária.

03/05/06 |
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