Gente Plastificada

Plastificada sobre cirugias plásticas e a obsessão pela juventude eterna

A charge é da Maitena. É sobre um evento que está se tornando cada vez mais comum, que é o de não conseguir definir a idade de uma pessoa. Dois homens se encontram, um está acompanhado. O outro observa: –Puxa Machado, que bem acompanhado você está! Vem cá, desculpe a indiscrição, mas hoje em dia nunca se sabe: é sua filha ou sua mulher? E o primeiro responde: – É minha mãe. O desenho da tal mãe é eloqüente: olhos orientais, nariz de Michael Jackson (after), corpo lipoescultural, lábios silicarnudos. A piada ilustra a fantasia de embaralhar as gerações, mas o efeito prático é mais para boneca do Museu de Cera de Madame Tussauds.

É um prazer encontrar pessoas maduras saudáveis e bonitas, que se exercitam e se tratam bem. Não por acaso, adotamos o nosso próprio corpo, como a um filho, na mesma época em que os pais morrem ou vão se tornando frágeis. Já ninguém zela por nós, então cuidar-se é imprescindível, considerando que assim se minimiza a voracidade do declínio, que deixado à própria sorte destrói a aparência e a saúde. Minhas avós já aparentavam setenta quando as conheci, aos cinqüenta, e os homens, quando sobreviviam, pareciam caricaturas. Mas isso era antes do narcisismo ganhar as eleições. Por outro lado, as rugas são os sulcos formados pela erosão de uma vida, pelo cenho franzido de preocupação ou pela força da expressão, são as marcas deixadas pelas caras e bocas que fizemos. Não estou defendendo que ninguém vire uma passa de uva antes da época, mas observo, com tristeza, que muitas pessoas adultas estão ficando com a mesma cara de plástica.

Parecer eternamente jovem é o mesmo que criar, para si e para os outros, a ilusão de zerar o odômetro. Começar de novo, com tanta energia e ousadia como antes, mas com a estabilidade da maturidade. Tentador, não? Mas falso, porque as marcas do sofrido não saem com bisturi. Sempre é possível mudar e nunca é tarde para guinadas na vida, abrir novos campos de trabalho ou estudo, se apaixonar ou viajar, são aventuras que prescindem da juventude. Não é necessário esconder a idade para ter essas oportunidades.

Mais do que uma boa vida, as plásticas exageradas têm produzido uma legião de gente de olhos arregalados, faces descarnadas e sorrisos paralíticos. Nesses casos, a eloqüência dos rostos foi sacrificada no altar do aparência e o resultado são caras inescrutáveis e olhos sem olhar. Deixar com que algumas marcas da idade se associem a nossa imagem é assumir que se viveu um bocado, se fez escolhas, se aprendeu (errando) e principalmente que se tem consciência da própria finitude. Provavelmente esses olhos, que de tão espichados já não fecham direito, fiquem submetidos a contemplar incessantemente a cena do envelhecimento, que quanto menos elaborado, mais se torna uma obsessão.

03/11/04 |
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