Geração de Pioneiras

Pioneiras sobre o livro Perdas e Ganhos de Lya Luft

Perdas & Ganhos, o penúltimo livro de Lya Luft, não é ficção, tampouco ensaio, sequer autobiografia. Não é de leitura fácil, nem contém apelos baratos às nossas carências, porém produziu uma coqueluche de vendas. Entre prosa e poesia, Lya distribui uma série de conselhos sobre o essencial: tratam da nossa condição de filhos, pais, amantes, do envelhecimento, do luto, dos nossos tempos narcisistas e da coragem necessária para amadurecer. Mas por que uma dama da literatura escreveria um livro de conselhos e tantos o aclamam? Porque são colocações precisas, vindas de uma mulher cuja vida tem sido coerente com seu discurso. Suas palavras, apoiadas por sua credibilidade pessoal, entraram num espaço vago, que tem sido (mal) ocupado pelos livros de auto-ajuda: a necessidade de cotejar a própria vida com algum tipo de sabedoria seja ancestral, religiosa ou científica.

Lya é de uma “geração de pioneiras”, descrita por ela assim: “não temos padrões anteriores para imitar nem mesmo para infringir, uma vez que o universo de nossas mães está em alguns aspectos tão distante do nosso que não há como comparar”. Logo, os padrões vigentes não lhes serviam como parâmetro. Antes delas já existiam personagens ímpares, mulheres irreverentes em sua vida pessoal ou nos seus campos de conhecimento, exemplos isolados a seguir. Mas foram estas mulheres que hoje atingem a maturidade, as que viveram enquanto geração a experiência de transformar a realidade cotidiana. Muitas lotearam campos profissionais, conciliaram a vida doméstica com o trabalho, separaram-se e viveram mais de uma relação amorosa. Outras não fizeram tudo isso, mas sabiam que podiam.

O interesse pela sabedoria contida neste livro é a prova de que uma nova geração de mulheres se consolidou e tem algo a ensinar. A característica importante destas novas senhoras é que podem se distanciar de algumas afobações e ingenuidades da juventude, mas estão longe de pensar que sua vida acabou. Lya se expõe de forma delicada, o que faz diferença, já que estamos enfarados da pornografia emocional dos ricos e famosos. Livros de auto-ajuda pressionam e estressam, nunca nos amamos nem nos ajudamos tanto quanto o autor receita. Mas o livro de Lya ajuda como a velha e boa literatura costuma fazer, fazendo pensar, suportando identificações que nos seduzem sem autoritarismo, revelando nossos aspectos obscuros e inconfessáveis. Suas idéias não são diferentes daquelas que seus personagens sempre defenderam, mas se tantos o tem comprado é porque seu tom de sinceridade veio a calhar.

02/06/04 |
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