Gigolôs da desesperança
Desesperança sobre velhice e bingos
Foi patética a exposição pública das almas perdidas que o fechamento dos Bingos deixou a deriva. Naquela ocasião, a imprensa revelou o que todos supúnhamos: no Brasil este jogo é uma das grandes diversões da terceira idade. Ninguém ignora que envelhecer aqui é árduo: o dinheiro esfarela, as cidades são hostis a quem não se movimenta com agilidade, o sistema de saúde kafkiano. Mas Bingo é demais.
Jogar é um exercício extremo de desesperança, embora pareça o exato oposto. Não fosse assim, não seria o grande negócio que é. Para cada um que ganha, são centenas que perdem. É um retrato da nossa sociedade: todos apostam tudo que tem (a vida), mas só alguns escolhidos ganham. A fraude do “Tonto-Bola” lapidou a metáfora ainda melhor: os que ganham são laranjas. O jogo é uma fraude… Vai ver que a sorte na vida também é. Apesar disso, o aficionado dirá que pagou para se divertir, como alguém que vai ao cinema, ao restaurante, o que não deixa de ser verdade. Mas porque perder seria divertido e um modo de lazer tão popular entre os aposentados?
Na terceira idade é preciso fazer mais uma rodada de negociação com a vida, como as que já enfrentou para tornar-se adolescente, adulto, para ter um filho ou quando se perde os pais. Várias vezes, cada ser humano terá que redimensionar em nome do que seguir vivendo, pelo que se importa e quem se importa com ele. Porém, é diferente quando decidimos que destino dar ao tempo que nos resta. Este poderá ser longo, mas a sensação de tarefa encerrada pode nos matar enquanto estamos ainda tão vivos.
Perder a rotina de trabalho, a companhia cotidiana da família e ver pessoas queridas serem levadas pela morte, produz uma inevitável melancolia. É grande a tentação de se entregar ao culto das perdas e são muitos os que sucumbem. A paixão pelo jogo na terceira idade é a melhor tradução de uma vida destinada a perder. Por outro lado, quando se consegue administrar de forma inteligente a consciência da finitude, ela pode ser fonte de sabedoria, talvez a verdadeira morada do bom senso. Quando jovens vivemos como se fosse infinitamente, graças a isso ousamos, mas também fazemos muita bobagem. Se nossa sociedade não pensar em criar alternativas mais interessantes de convívio social para aqueles entre nós que tem mais tempo, mais tristezas e mais sabedoria do que jamais tiveram, continuaremos a enriquecer os gigolôs da desesperança.