Harry Potter e a magia da leitura

Sobre o livro de Rowling em 10/10/2001

Agradeço a Sra. Rowling por lembrar a todos que o livro tem futuro, basta escrever a coisa certa. O mais interessante deste sucesso editorial é o pasmo com que foi recebido. Incrível,crianças lendo…

Em nossas especulações futuristas, acreditamos que não será mais necessário ler e escrever, tudo terá a transparência óbvia da imagem e do som. O futuro é a projeção de nossos desejos e a forma de praticá-lo no presente é através das crianças, a elas deve ser dado o que achamos que a vida ficou nos devendo. Exigimos que não se submetam a nada, que a palavra trabalho perca o seu sentido de esforço e que jamais obedeçam sem questionar. Mas a tirania da letra, em sua inclemência de código, vem abalar esta crença. Por isso, cada vez mais, encontramos problemas de aprendizagem associados à negativa das crianças de se submeter, já que conjugações, grafias e pontuações se impõem sem negociações. Esta concepção de infância é que faz esperar que as crianças não leiam.

A saga de Potter encontra adeptos desde os oito anos e não faz nenhuma concessão didática. A galeria de personagens é imensa, as histórias são cheias de detalhes e premissas que exigem atenção. Nela um jovem tem mistérios a decifrar, seu passado é uma história que ninguém lhe conta direito, os adultos não são o que parecem e o bem e o mal usam disfarces. Sua educação é severa, não seguir as regras pode ser tão perigoso quanto tentador. É a história de todos nós. Hogwarts, a escola de magia é um lugar fascinante: em suas dependências e arredores passeiam unicórnios, dragões, fantasmas, centauros, além de todos os tipos de bruxos. É um caldeirão onde borbulham elementos mágicos que a cultura européia cultivou ao longo de séculos.

Na linguagem dos bruxos somos “trouxas”, vivemos ignorantes de seus mistérios, depositando toda a fé na ciência e suas quinquilharias tecnológicas. A massa de crianças que consumiu 1500 páginas de velharia obscurantista em letra miúda e não ficou esperando o filme, o fez para freqüentar uma transcendência que nossa sociedade sepultou viva. A magia está aí para lembrar que nossos sentimentos são maiores que sua neurofisiologia e nossas razões não cabem na ciência.

10/10/01 |
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